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O MORRO DOS VENTOS UIVANTES

O MORRO DOS VENTOS UIVANTES (Wuthering heights, 1939, The Samuel Goldwyn Company, 104min) Direção: William Wyler. Roteiro: Charles MacArthur, Ben Hecht, romance de Emily Bronte. Fotografia: Gregg Toland. Montagem: Daniel Mandell. Música: Alfred Newman. Direção de arte/cenários: James Basevi/Julia Heron. Produção: Samuel Goldwyn. Elenco: Laurence Olivier, Merle Oberon, David Niven, Flora Robson, Donald Crisp, Geraldine Fitzgerald, Hugh Williams. Estreia: 24/3/39

8 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (William Wyler), Ator (Laurence Olivier), Atriz Coadjuvante (Geraldine Fitzgerald), Roteiro Adaptado, Fotografia em preto-e-branco, Trilha Sonora Original, Direção de Arte
Vencedor do Oscar de Fotografia em preto-e-branco

Quando foi lançado, em 1847, o romance "O morro dos ventos uivantes", escrito por Emily Bronte, não foi exatamente saudado pela crítica. Isso não o impediu, no entanto, de atravessar os séculos como uma das mais importantes obras da literatura inglesa e de ter arrebatado milhares de fãs pelo mundo (no Brasil a primeira tradução chegou às livrarias somente em 1938, quando já era cultuado como um clássico). O cinema, é claro, não deixou de perceber todas as possibilidades da trágica história de amor entre Catherine Earnshaw e Heathcliff e logo tratou de adaptá-la para as telas, mesmo que de forma tímida: a primeira versão cinematográfica do livro de Bronte foi realizada em 1920, na Inglaterra, sob a direção de A. V. Bramble e ainda durante a fase do cinema mudo. Desde então, várias foram as tentativas de alcançar em imagens o tom opressivo, romântico e paranoico da trama da escritora britânica, com resultados díspares e poucas vezes memoráveis. Até hoje, é inegável que o mais perto que se chegou de um resultado fiel é um filme que, apesar do sucesso da obra original, dos elogios da crítica e dos prêmios conquistados, não foi um êxito comercial logo em sua estreia. A versão de 1939 de "O morro dos ventos uivantes" pode ser considerada um clássico inquestionável - mas foram necessários vários relançamentos nos anos seguintes para que ela finalmente pudesse escapar do indesejável adjetivo de "fracasso".

Mesmo indicado a 8 Oscars - incluindo melhor filme e direção -, "O morro dos ventos uivantes" não cativou a plateia tanto quanto seu produtor, Samuel Goldwyn, esperava. Além de ter sido lançado em um ano cujos competidores pela atenção do público eram nada menos que obras como "...E o vento levou", "O mágico de Oz", "No tempo das diligências", "Ninotchka" e "A mulher faz o homem" - todos eles clássicos instantâneos -, o filme dirigido por William Wyler sofreu com sérios problemas de bastidores, que incluíram até mesmo desentendimentos entre o diretor e o produtor. Wyler, que ainda não estava consagrado pela chuva de Oscar por seu "Ben-hur" - lançado apenas em 1960 -, teve de submeter-se a várias decisões artísticas com as quais não concordava apenas porque Goldwyn, já poderoso em Hollywood, tinha o poder de alterar tudo com o que não concordasse ou impor suas ideias (o que inclui a sequência final, totalmente imaginada pelo produtor). Não à toa, Goldwyn declarou que o filme - segundo ele, o seu preferido dentre todos os que ele realizou - foi dirigido por Wyler, mas na verdade era uma obra sua. A declaração não deixa de ser irônica, uma vez que, durante as filmagens, ele mesmo tinha sérias dúvidas a respeito do que poderia resultar do embate entre ele, Wyler e seus protagonistas - todos com uma saudável cota de problemas e crises pessoais e profissionais.


Laurence Olivier, por exemplo, não estava nada feliz com o fato de ter de ficar afastado de sua noiva, a atriz Vivien Leigh, que ficou na Inglaterra enquanto ele filmava na Califórnia - e tampouco estava satisfeito por Leigh não ter sido a escolhida para o principal papel feminino. Em consequência disso, o grande ator inglês bateu de frente com sua parceira de cena, Merle Oberon, e os dois viviam em constante conflito nos sets. Oberon - também carente da presença do namorado, o produtor Alexander Korda - reclamava não apenas do colega mas também dos métodos do diretor, que a obrigou, por exemplo, a repetir inúmeras vezes a cena em que sua personagem, Cathy, corria atrás de Heathcliff sob uma chuva torrencial: a atriz acabou no hospital e atrasou (e encareceu) ainda mais a produção que já estava acima do orçamento e além do prazo. Não bastasse isso, David Niven também não estava feliz com seu papel (de coadjuvante) e com a necessidade de fazer cenas românticas com Oberon - com quem havia tido um romance até poucos anos antes -, além de surpreender Wyler com uma cláusula peculiar em seu contrato, que avisava que ele não choraria em cena (!!??).  Some-se a isso a tendência de Olivier em fazer de cada cena um espetáculo de Shakespeare (até que finalmente aprendeu a dominar seus excessos) e tinha-se tudo para um fracasso monumental. Mas, como muitas vezes acontece em Hollywood, bastidores problemáticos podem gerar obras inesquecíveis.

Cobrindo pouco menos da metade da história contada no livro - e deixando de fora a segunda geração de personagens e dezoito capítulos -, o filme de William Wyler se beneficia do tom poético do roteiro (que um jovem John Huston se recusou a alterar quando solicitado, afirmando estar perfeito) e da esplêndida fotografia de Gregg Toland, premiada com o Oscar. Toland, que em pouco tempo seria consagrado pelo trabalho com Orson Welles em "Cidadão Kane" (1931), cria a atmosfera ideal para ilustrar a trágica e passional história de amor entre Catherine e Heathcliff, surgida ainda na infância e que se mantém, apesar do temperamento difícil de ambos - ela, uma moça mimada e voluntariosa e ele, um rapaz de origem misteriosa, adotado por seu pai e renegado por seu irmão. Com elementos melodramáticos que incluem vingança, mortes trágicas, reconciliações e sobretudo uma paixão avassaladora, "O morro dos ventos uivantes" apresenta uma história poderosa contada com delicadeza e inteligência: Wyler evita o exagero e extrai interpretações memoráveis de Laurence Olivier e Merle Oberon, ela indicada ao Oscar de melhor atriz (que perdeu, ironicamente, para quem desejava seu papel, Vivien Leigh). O visual impresso por Toland, com tempestades, ventos e névoa, combina com perfeição com os sentimentos torturados dos personagens - e, apesar da opção por contar apenas metade da história, a produção de Samuel Goldwyn é justificadamente um clássico, digno de figurar entre os grandes filmes de sua época.

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