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A SOMBRA DE UMA DÚVIDA

A SOMBRA DE UMA DÚVIDA (Shadow of a doubt, 1943, Universal Pictures, 108min) Direção: Alfred Hitchcock. Roteiro: Thornton Wilder, Sally Benson, Alma Reville, estória original de Gordon McDonell. Fotografia: Joseph Valentine. Montagem: Milton Carruth. Música: Dimitri Tiomkin. Figurino: Vera West. Direção de arte/cenários: John B. Goodman/R. A. Gausman. Produção: Jack H. Skirball. Elenco: Joseph Cotten, Teresa Wright, MacDonald Carey, Henry Travers, Patricia Collinge, Hume Cronyn. Estreia: 12/01/43

Indicado ao Oscar de Roteiro Original

Já em suas primeiras cenas de "A sombra de uma dúvida" o protagonista Charlie Oakley (Joseph Cotten) já mostra um pouco do que virá pela frente: deitado em sua cama em uma pensão em Nova York, ele mantém os braços cruzados sobre o peito, como um vampiro em seu caixão. E assim que chega à pequena Santa Rosa, no interior da Califórnia, com o pretexto de visitar sua irmã mais velha e a família, o trem em que viaja solta uma fumaça negra - um sinal de que algo diabólico está vindo em seu encalço, como poderiam também afirmar seus colegas de viagem, que estranharam sua ausência nos lugares de convivência do veículo. Tais referências ao clássico "Drácula", escrito por Bram Stoker - voluntárias ou não, facilmente detectáveis ou escondidas junto a outras menos óbvias - são parte dos encantos do filme que Alfred Hitchcock considera um de seus melhores trabalhos em Hollywood. Trabalhando com elementos simples, ele ilustra, de forma sutil, a chegada do mal a uma pequena cidade do interior - e de como ele pode deflagrar acontecimentos jamais imaginados àqueles à sua volta.

Tudo começou, na verdade, quando Margaret McDonnell, chefe do departamento literário do produtor David O. Selznick, chegou até Hitchcock com a ideia de uma história, esboçada por seu marido, Gordon, que, segundo ela, poderia resultar em um bom filme. Baseada na história real de um assassino serial dos anos 1920 conhecido por "Gorilla Man", a trama girava em torno de um homem aparentemente comum que se reaproximava da família como forma de escapar de uma investigação policial que o poderia ligar a inúmeros assassinatos. De posse de um argumento de nove páginas, o cineasta contratou o escritor e dramaturgo Thornton Wilder para desenvolver o roteiro - que contou também com a colaboração da mulher do diretor, Alma Reville. Sem conseguir contar com Cary Grant ou William Powell para o papel central masculino ou as irmãs Joan Fontaine e Olivia de Havilland para a protagonista feminina, Hitch acabou se contentando com Joseph Cotten e Teresa Wright como substitutos. E não se arrependeu: em excelentes trabalhos, Cotten e Wright parecem as escolhas perfeitas em seus papéis - a atriz, que aceitou o trabalho sem sequer ler o roteiro, declarou, em 1959, que "A sombra de uma dúvida" é seu filme preferido (seu prêmio de melhor atriz pelo National Board of Review talvez tenha contado pontos para tal declaração).


Filmado na própria cidade de Santa Rosa, Califórnia - em uma casa que foi escolhida justamente por ter o visual exato para a trama e que, para choque da produção, foi reformada antes do começo das filmagens -, "A sombra de uma dúvida" acompanha a relação pouco saudável entre o misterioso Charlie Oakley (Joseph Cotten) e sua sobrinha mais velha, Charlie Newton (Teresa Wright): entediada com a rotina sem graça de sua pequena cidade do interior, a jovem Charlie vê na chegada do irmão caçula de sua mãe, um sopro de novidade e encantamento. Charmoso e sedutor, o rapaz conquista a todos na cidade, com seu jeito manso e um tanto distante. A própria Charlie se descobre fortemente atraída pelo tio, até que começa a perceber algumas atitudes um tanto suspeitas a seu respeito. Mesmo apaixonada, ela não consegue deixar de sentir que há algo de muito estranho no ar - principalmente quando dois desconhecidos aparecem na cidadezinha fazendo perguntas sobre seu paradeiro e movimentos.

Hitchcock não abre mão de seu senso de humor particular, em especial quando dá voz ao vizinho fofoqueiro (Hume Cronyn em sua estreia nas telas) obcecado por assassinatos ou à irmã caçula de Charlie, a pequena e esperta Ann (Edna May Wonacott). Também faz uso de seu talento único em envolver o espectador com protagonistas carismáticos e sequências de ação milimetricamente orquestradas - o embate final entre tio e sobrinha em trem em movimento, por exemplo, é brilhante e volta a fazer referências ao mito do vampirismo. Equilibrando sua narrativa em momentos de puro suspense e cenas quase românticas que invocam os sentimentos dúbios da jovem Charlie, o cineasta apresenta um filme que, apesar de nunca figurar entre seus maiores clássicos, jamais deixa a desejar ao público. Não tem momentos icônicos ou personagens inesquecíveis, mas mantém o interesse da primeira à última cena - e, de quebra, confirma a elegância de Hitchcock em contar histórias assustadoras da forma mais sofisticada possível. Coisa de mestre!

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