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HORAS INTERMINÁVEIS

HORAS INTERMINÁVEIS (14 hours, 1951, 20th Century Fox, 92min) Direção: Henry Hathaway; Roteiro: John Paxton, estória de Joel Sayre. Fotografia: Joe MacDonald. Montagem: Dorothy Spencer. Música: Alfred Newman. Direção de arte/cenários: Leland Fuller, Lyle Wheeler/Thomas Little, Fred J. Rode. Figurino: Edward Stevenson. Produção: Sol C. Siegel. Elenco: Richard Basehart, Paul Douglas, Barbara Bel Geddes, Debra Paget, Agnes Moorehead, Jeffrey Hunter, Grace Kelly. Estreia: 01/3/51

Indicado ao Oscar de Direção de Arte/Cenários (em preto-e-branco)

Dizem que a vida imita a arte. Em algumas ocasiões, porém, a arte imita a vida. E o filme "Horas intermináveis" é uma prova de que a arte pode imitar a vida enquanto esta imita a arte. Confuso? Pois é, mas também não deixa de ser impressionante. Em julho de 1938, um homem de 26 anos se jogou do 17º andar de um hotel em Nova York. Doze anos mais tarde, sua história serviu de inspiração para um roteiro escrito por John Paxton (com base na sinopse de Joel Sayre) e filmado com um orçamento baixo e apenas seis semanas de filmagem. Quando o filme estava pronto para ser lançado, uma tragédia o aproximou fatidicamente da realidade quando a filha de um dos executivos da 20th Century Fox (o estúdio por trás da produção) cometeu suicídio da mesma forma no dia da pré-estreia. Foi um caso de assustadora ironia, mas o estúdio, compreensivelmente, adiou por seis meses a estreia oficial do filme - que, hoje em dia, não é muito lembrado até mesmo por fãs do cinema clássico hollywoodiano. Dirigido por Henry Hathaway - que dirigiria o icônico "Bravura indômita" em 1969 e realizou vários westerns em sua carreira -, "Horas intermináveis" também fez o enorme favor de marcar a estreia de Grace Kelly no cinema (em um papel pequeno que não fez muito por sua carreira mas já explorava sua beleza plácida e sofisticada).

Quando começou a ser produzido, "Horas intermináveis"seria dirigido por Howard Hawks. Hawks, um diretor conhecido pela versatilidade, já tinha no currículo comédias românticas ("Levada da breca", de 1938, e "Jejum de amor", de 1940), westerns ("Rio vermelho", de 1948) e filmes de guerra ("Sargento York", de 1941, lhe rendeu uma indicação ao Oscar). Seu nome preferido para estrelar o filme era Cary Grant, mas não demorou até que o veterano cineasta desistisse do projeto, alegando desconforto com o tema da produção. Sua saída, juntamente com a de Grant, que era quase garantia de bilheteria, resultou na contratação de Hathaway, um nome de confiança junto ao estúdio mas pouco reconhecido pelo público. Com a nova configuração, o filme chamou Paul Douglas para protagonista - um ator que nunca chegou ao status de astro, provavelmente porque nunca cedeu às tentações de poder e fama de Hollywood, apesar de seu talento e carisma. Essa alteração, que poderia tirar do filme o apelo popular, acabou por se tornar um de seus trunfos: com sua aparência de homem comum, Douglas convence em cada minuto de projeção e afasta o tom de celebridade que certamente poderia interferir na verossimilhança da trama.


Em uma atuação precisa, Paul Douglas interpreta Robert Cosick, um homem cujo desespero o leva a planejar o suicídio, pulando da janela de um hotel nova-iorquino em pleno Dia dos Namorados. Na tentativa de descobrir seus motivos e convencê-lo a desistir de seu intento, o policial Charlie Dunnigan (Richard Basehart) vai aos poucos ganhando sua confiança. Enquanto a mídia faz o circo habitual e uma multidão vai se formando em frente ao hotel, Cosick começa a revelar aos poucos seus problemas. Nesse meio-tempo, o suicida em potencial vai tendo sua vida desvendada por sua mãe e sua namorada, responsáveis indiretas por sua situação. O caso também chama a atenção de psiquiatras, que passam a tentar compreender o dilema do jovem antes que seja tarde demais.

Com um roteiro enxuto e com bons momentos dramáticos, "Horas intermináveis" consegue manter o interesse da plateia do início ao fim, graças à direção segura de Hathaway e a interpretação coesa de todo o elenco. A edição precisa e a ausência de trilha sonora (exceto nos créditos) ajudam a criar o clima de suspense, mas são seus dois protagonistas o grande segredo de seu sucesso. Paul Douglas está extremamente convincente nos momentos de angústia de Robert Cosick, e Richard Basehart praticamente rouba a cena na pele do policial Dunnigan, e seus confrontos tornam o filme de Hathaway um entretenimento acima da média. Basehart, aliás, merece todos os aplausos possíveis quando se sabe o que ele enfrentava nos bastidores: um diagnóstico de tumor cerebral para sua esposa, a figurinista Stephanie Klein, que morreu em julho de 1950, durante o processo de edição do filme. À sua morte e ao suicídio da jovem filha do executivo Spyros Skouras um outro drama de bastidores surgiu logo após as filmagens, quando vários membros do elenco foram chamados a depor a respeito de suas possíveis ligações com comunistas, e passaram a integrar a malfadada "lista negra" criada pelo senador Joseph McCarthy. "Horas intermináveis" pode até nem ter passado à história como um clássico absoluto, mas seu resultado final (principalmente se considerados todos os seus problemas de bastidores) é um milagre de inteligência e concisão. Mais uma prova de que Hathaway, a despeito de não ser um nome dos mais famosos de Hollywood, sabia muito bem como comandar um espetáculo de forma a conquistar os espectadores.

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