O AMOR NÃO TEM SEXO (Prick up your ears, 1987, Zenith Entertainment, 105min) Direção: Stephen Frears. Roteiro: Alan Bennett, biografia por John Lahr. Fotografia: Oliver Stapleton. Montagem: Mick Audsley. Música: Stanley Myers. Figurino: Bob Ringwood. Direção de arte/cenários: Hugo Luczyk Wyhowski/Philip Elton. Produção: Andrew Born. Elenco: Gary Oldman, Alfred Molina, Vanessa Redgrave, Wallace Shawn, Lindsay Duncan, Julie Walters, Frances Barber. Estreia: 17/4/87
Vencedor no Festival de Cannes: Melhor Trilha Sonora
Quem começar a assistir à "O amor não tem sexo" pensando tratar-se de mais um filme de temática gay com uma mensagem edificante certamente vai levar um choque ao final da sessão: o título em português de "Prick up your ears" (algo intraduzível mas pouco romântico ou formal) esconde a verdadeira e chocante história de amor, sexo, ciúme, violência e literatura do dramaturgo britânico Joe Orton e seu amante, Kenneth Halliwell, também escritor, mas sem o mesmo prestígio. Baseado em uma biografia de Orton escrita por John Larh, o filme de Stephen Frears (pouco antes de conquistar Hollywood com seu excepcional "Ligações perigosas", lançado em 1988) é seco, frio e um tanto irônico em sua tentativa de retratar não apenas um casal vivendo quase à margem da sociedade, mas também a própria sociedade hipócrita e falsamente liberal dos anos 1960.
Conhecido na Inglaterra como o autor de peças teatrais repletas de humor negro e críticas à sociedade, como "Entertaining Mr. Sloane" e "Loot", Orton chegou a ser chamado para escrever o roteiro de um filme dos Beatles e conhecer pessoalmente Paul McCartney. Enquanto ascendia profissionalmente, porém, sua relação com Halliwell entrava cada vez mais em uma crise sem fim: sete anos mais velho que Orton e sem seu charme, Halliwell sofria com as traições do parceiro - ainda que por vezes fosse chamado por ele para participar - e via sua carreira ser eclipsada pelo sucesso de Orton. A relação, desequilibrada sob todos os aspectos, parece atrair uma atmosfera de urgência e melancolia. Sob a visão de Frears, quase documental, os protagonistas parecem vislumbrar a tragédia, mas, ao mesmo tempo, sabem que não há como evitá-la. O tom de decadência impresso pelo cineasta nas aventuras sexuais de Orton transmitem uma sensação de incômodo e angústia - ainda que justamente essas jornadas pelo lado sombrio do sexo tenham feito dele o dramaturgo visceral que foi.
Um dos grandes trunfos de "O amor não tem sexo" é o elenco escolhido por Stephen Frears - notoriamente conhecido como um excelente diretor de atores. Antes de começar sua bem-sucedida carreira em Hollywood, Gary Oldman assume com perfeição o sotaque e os trejeitos de Joe Orton - um ano antes ele havia encarnado o roqueiro Sid Vicious e cinco anos mais tarde ele faria um Lee Harvey Oswald brilhante em "JFK: a pergunta que não quer calar", de Oliver Stone. Oldman, um ator dedicado e capaz de transformar-se fisicamente de um filme para outro encontra o par ideal em Alfred Molina. No papel, recusado por Ian McKellen (que anos mais tarde assumiu o arrependimento por isso), Molina brilha como o introvertido e apaixonado Halliwell, com um trabalho impressionante que vai se avolumando até o desfecho trágico. Não bastasse o par central, a excelente Vanessa Redgrave faz uma participação especial como a editora de Orton, Peggy Ramsay, em uma interpretação que lhe rendeu um prêmio de coadjuvante pela associação de críticos de Nova York e indicações ao Golden Globe e ao Bafta. É Redgrave quem surge como a voz da razão em um filme que mergulha sem medo no retrato de uma história de amor, sexo, inveja e literatura.
"O amor não tem sexo" não é, definitivamente, um filme que glamoriza a homossexualidade, mas tampouco a condena: é um desenho o mais fiel possível de uma tragédia, contado com imparcialidade e sem artifícios visuais ou melodramáticos. A fotografia crua de Oliver Stapleton e a edição ágil (mas nunca apressada) de Mick Ausdley são fatores cruciais para o sucesso do filme, mas é a direção incisiva de Stephen Frears quem reúne todos os elementos para formarem um único e chocante painel sobre um dos relacionamentos mais doídos da arte britânica dos anos 1960. É um filme desconfortável, mas, ao mesmo tempo, imprescindível!
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
sexta-feira
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