sexta-feira

OS ESQUECIDOS

OS ESQUECIDOS (Los olvidados, 1950, Ultramar Films, 85min) Direção: Luís Buñuel. Roteiro: Luis Alcorza, Luís Buñuel. Fotografia: Gabriel Figueroa. Montagem: Carlos Savage. Música: Rodolfo Halffter, Gustavo Pittaluga. Direção de arte: Edward Fitzgerald. Produção: Oscar Dancigers, Sérgio Kogan, Jaime A. Menasce. Elenco: Estela Inda, Miguel Inclán, Alfonso Mejía, Roberto Cobo, Alma Della Fuentes. Estreia: 09/11/50

Palma de Ouro em Cannes (Melhor Diretor): Luís Buñuel

Quando "Os esquecidos" estreou no México, no final de 1950, foi massacrado pela crítica e pelo público: não era nada lisonjeiro que um cineasta espanhol - Luis Buñuel - expusesse, de forma tão contundente (leia-se realista), as mazelas sociais do país, afundado em uma crise de pobreza e violência. Para piorar, o diretor, mais do que simplesmente retratar os problemas da sociedade mexicana, o fazia com um distanciamento crítico que o afastava de ser considerado uma cria do neorrealismo italiano. Pouco afeito ao tom sentimental que acompanhava os filmes de Roberto Rosselini e Vittorio de Sica - os dois maiores expoentes do movimento italiano -, Buñuel não se propunha a discutir os problemas ou fazer de seus protagonistas exemplos de resiliência: pelo contrário, fazia questão de apontar sua câmera para seus personagens sem deixar que artifícios enfeitassem a narrativa. Mesmo que por vezes buscasse sair do espectro de "cinema-verdade" - com a inserção de sequências de sonho e toques de ironia -, o cineasta rompia com o piegas e o filme "com mensagem" para apresentar um desagradável panorama da delinquência juvenil - a mil anos-luz de, por exemplo, "Vítimas da tormenta" (1946), em que De Sica também jogou luz ao tema.

Para falar com propriedade a respeito do assunto do filme, Luis Buñuel percorreu os subúrbios do México disfarçado como mendigo, e o que testemunhou durante essa pesquisa certamente o ajudou a fazer de "Os esquecidos" um filme ímpar, tão incômodo quanto desconfortável. Fotografado em um preto-e-branco árido e filmado nas ruas da cidade do México em apenas 21 dias, o filme de Buñuel aproxima o espectador a um espetáculo de sordidez e desilusão enquanto acompanha o dia-a-dia de um grupo de adolescentes, liderado pelo experiente Jaibo (Roberto Cobo), que fugiu do reformatório e procura descobrir quem, dentre seus colegas, que o delatou à polícia. Seu principal parceiro e cúmplice é Pedro (Alfonso Mejia), um menino carente da atenção da mãe e que passa os dias nas ruas da cidade, sempre envolvido em pequenos delitos - o que inclui implicar fisicamente com o cego Don Carmelo (Miguel Inclán) e cometer alguns furtos e vandalismos. A história avança quando Jaibo mata um amigo, Julian (Javier Amézcua), que considera culpado de sua prisão, e passa a investir na sedução da mãe de Pedro. A promiscuidade, a sensação de impotência e a violência em graus variados fazem com que a plateia sinta-se testemunha privilegiada - mas somente até que Buñuel quebre as regras do jogo cinematográfico e, através de escolhas artísticas surpreendentes, lembre o público que, apesar do tom realista, seu filme é uma obra de ficção e, portanto, passível de ultrapassar os limites da narrativa tradicional a ponto de um de seus protagonistas jogar um ovo na câmera - e, por conseguinte, no próprio espectador.


E se os espectadores mexicanos reagiram sem muita paciência ao filme quando de seu lançamento, foram obrigados a voltar atrás quando Buñuel saiu do Festival de Cannes com a Palma de Ouro de melhor diretor. A partir dessa validação internacional, os previamente beligerantes membros da imprensa mexicana - e os espectadores do país - finalmente deixaram de lado o preconceito contra o filme e o abraçaram como a obra-prima que de fato é. As provocações visuais do cineasta, ao contrário de atrapalhar a narrativa, a transformam em uma experiência única. Buñuel não hesita em mostrar uma violência crua ou momentos de uma sensualidade inesperada e quase incômoda. Também não se preocupa em fazer de seus protagonistas pessoas agradáveis ou minimamente heróicas: Jaibo é um tipo que não parece ter esperanças de transformações positivas e Pedro, apesar de ainda ser jovem o bastante para encontrar um rumo na vida, se mostra pouco afeito à qualquer tipo de autoridade: juntos eles se completam e encontram um no outro, de uma forma um tanto enviesada pela pobreza, uma espécie de família. É uma situação otimista? Claro que não, e Buñuel não faz a menor questão que seja. Como cineasta (e não como alguém com poderes para alterar a realidade exibida), ele alcança sua audiência ao tratá-la com respeito e inteligência: não há soluções fáceis para as questões que levanta, o que há é espaço para discussões - tanto em termos sociais quanto artísticos.

O prêmio no Festival de Cannes não ajudou Buñuel a mudar a ideia dos mexicanos a respeito de seu filme. O reconhecimento internacional que veio atrelado à Palma de Ouro estabeleceu o cineasta espanhol como um nome a ser respeitado e aplaudido através dos tempos. Mesmo tendo começado sua carreira com o polêmico "Um cão andaluz" - que dirigiu ao lado de Salvador Dalí em 1928 -, Buñuel sempre esteve por trás de controvérsias, justamente por sua iconoclastia e tendência a buscar o surreal e o onírico de cada roteiro. "Os esquecidos" talvez seja um de seus filmes mais acessíveis, mas que não deixa, de forma alguma, de flertar com as características mais determinantes de sua filmografia. Se em "Vítimas da tormenta" o diretor Vittorio De Sica procurava emocionar sua audiência com subterfúgios quase melodramáticos (o que combinava à perfeição com seu estilo), o filme de Buñuel é seco, direto e doloroso. Algo muito parecido com a vida de seus jovens protagonistas.

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