VÍTIMAS DA TORMENTA (Sciuscià, 1946, CG Entertainment, 87min) Direção: Vittorio De Sica. Roteiro: Sergio Amidei, Adolfo Franci, Cesare Giulio Viola, Cesare Zavattini. Fotografia: Anchise Brizzi. Montagem: Nicolò Lazzari. Música: Alessandro Cicognini. Direção de arte: Ivo Battelli, G. Lombardozzi. Produção: Paolo William Tamburella. Elenco: Franco Interlenghi, Rinaldo Smordini, Annielo Mele, Bruno Ortensi, Emilio Cigoli. Estreia: 27/4/46
Indicado ao Oscar de Roteiro Original
Vencedor de um Oscar especial
Mesmo antes de criar oficialmente a categoria de Melhor Filme Estrangeiro (o que ocorreria somente em 1956), a Academia de Hollywood já reconhecia, de uma forma ou outra, a excelência do cinema feito fora de seus domínios. Foi o caso de "Vítimas da tormenta", homenageado com um prêmio especial por suas grandes qualidades artísticas, "que provam ao mundo que o espírito criativo pode triunfar sobre a adversidade". Dirigida por Vittorio De Sica e eleita também um dos dez melhores filmes do ano pelo respeitado National Board of Review, a produção - parte integrante do aclamado neorrealismo italiano - concorreu ainda ao Oscar de roteiro original e preparou o cineasta para a sua grande obra-prima, "Ladrões de bicicleta", lançado dois anos mais tarde e que novamente encantou as plateias internacionais com seu equilíbrio entre o duro realismo do pós-guerra e a poesia da inocência infantil. Com um elenco predominantemente mirim, "Vítimas da tormenta" choca, emociona e faz refletir - e insere-se, por isso, na tradição de filmes imprescindíveis sobre a infância, como os posteriores "Os incompreendidos", de Truffaut, "Os esquecidos" (50), de Buñuel, e "Pixote: a lei do mais fraco" (81), de Hector Babenco.
A trama do filme se passa em uma Roma ainda sofrendo as consequências da guerra, com soldados norte-americanos convivendo pacificamente com a população local, que tenta retomar uma vida normal apesar da ruína econômica. É nesse ambiente que o público é apresentado a seus dois protagonistas, Pasquale e Giuseppe, que trabalham como engraxates nas ruas da cidade enquanto tentam economizar dinheiro para realizar um de seus maiores sonhos: comprar o cavalo pelo qual são apaixonados. Grandes e inseparáveis amigos, eles tem muito em comum, apesar de Pasquale viver nas ruas e Giuseppe ter uma família - da qual faz parte o pouco confiável Attilio, um rapaz frequentemente envolvido em problemas com a polícia. A rotina dos dois meninos, pouco empolgante, começa a mudar quando eles aceitam uma proposta de Attilio: vender cobertores roubados dos soldados a uma velha cartomante. Excitados com a possibilidade de comprar seu cavalo, os garotos aceitam a missão, mas acabam presos logo depois, envolvidos em um golpe que os leva imediatamente a um reformatório. Lá, eles são separados e colocados um contra o outro, como forma das autoridades conseguirem uma prova contra Attilio.
Construindo sua narrativa de forma a estabelecer uma crescente tensão entre seus protagonistas, que vem sua amizade posta à prova diante de armadilhas e situações violentas dentro do reformatório, "Vítimas da tormenta" consegue, ao mesmo tempo, manter as características do neorrealismo italiano - atores amadores, preocupação social, improvisações, um visual cru - e manter um constante tom de imprevisibilidade dramática. O elenco infantil é absolutamente impressionante, formado por jovens amadores que se destacam pela maneira natural e orgânica de transmitir uma vasta gama de emoções sem forçar o sentimentalismo. De Sica, um dos maiores diretores italianos de todos os tempos, extrai de seu elenco juvenil uma verdade dolorida, que imprime a cada sequência uma melancolia única, transmitida também pela bela fotografia em preto-e-branco de Anchise Brizzi e pela trilha sonora de Alessandro Cicognini, que, discretamente, comenta com suavidade os percalços dos protagonistas sem jamais chamar a atenção para si própria.
"Vítimas da tormenta" pode até não ser tão lembrado quanto outros filmes do neorrealismo italiano, como "Ladrões de bicicleta" (48), do próprio De Sica, ou o seminal "Roma: cidade aberta" (45), de Roberto Rossellini, mas é, sem dúvida nenhuma, um dos pontos altos do gênero. Atingindo o público tanto por seu lado emocional quanto por sua plasticidade cuidadosamente simples, o filme deixa sua marca graças à capacidade do diretor em contar uma história simples e universal, que ressoa atual mesmo tão distante cronologicamente. Com personagens que cativam logo na primeira cena - e que vão se tornando adultos precocemente em contato com a vida real -, é uma produção que machuca, mas, justamente por isso, se mantém inesquecível no coração da plateia. Excepcional!
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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