quarta-feira

NINOTCHKA


NINOTCHKA (Ninotchka, 1939, MGM, 110min) Direção: Ernst Lubitsch. Roteiro: Charles Brackett, Billy Wilder, Walter Reisch, história original de Melchior Lengyel. Fotografia: William H. Daniels. Montagem: Gene Ruggiero. Música: Werner R. Heymann. Figurino: Adrian. Direção de arte/cenários: Cedric Gibbons/Edwin B. Willis. Elenco: Greta Garbo, Melvyn Douglas, Ina Claire, Bela Lugosi, Sig Ruman, Felix Bressart, Alexander Granach. Estreia: 23/11/39

4 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Atriz (Greta Garbo), História Original, Roteiro Original

Quando Greta Garbo lançou seu primeiro filme falado, "Anna Christie", em 1930, o departamento de marketing da MGM não demorou a utilizar-se de tal evento para divulgar a produção - "Garbo fala!", lia-se em todo lugar. Quando, nove anos mais tarde o estúdio a confirmou na primeira comédia de sua carreira em Hollywood, não chegou a ser nenhuma surpresa que a mesma tática bem-sucedida fosse reciclada. Com o novo slogan "Garbo ri!", a campanha publicitária de "Ninotchka" despertou a curiosidade do público, que, seduzido mais uma vez pela bela e misteriosa estrela sueca, transformou o filme de Ernst Lubitsch em um dos grandes sucessos de bilheteria do ano e um dos maiores êxitos comerciais da atriz - que acabou perdendo o Oscar para Vivien Leigh ("... E o vento levou") mas mostrou à sua legião de fãs  e aos severos críticos um inesperado e insuspeito timing cômico. Lançado no mágico ano de 1939, junto com clássicos absolutos, como "O mágico de Oz", "No tempo das diligências", "A mulher faz o homem", "O morro dos ventos uivantes" e "A regra do jogo" - além do já citado "... E o vento levou" - "Ninotchka" é uma deliciosa comédia romântica, com diálogos espirituosos, um elenco impecável e uma direção elegante - que ameniza com folga a visão um tanto estereotipada da Rússia comunista.

A trama começa quando três oficiais russos chegam à Paris dos anos 1930 com o objetivo de vender joias da grã-duquesa Swana (Ina Claire), expropriadas pelo governo. O atrapalhado grupo vê seu objetivo interrompido, no entanto, pela proprietária do tesouro, que deseja ter de volta o que lhe pertence. Para isso, ela pede ajuda ao melífluo Leon D'Algout (Melvyn Douglas), que acaba por seduzir o trio - com visual emprestado de Trotsky, Lenin e Dzerzhinsky - com os luxos e os prazeres do mundo capitalista. A demora dos agentes em retornar à Rússia incomoda seus superiores, que decide então mandar à capital francesa uma oficial rígida e incorruptível, Ninotchka (Greta Garbo). Determinada a cumprir sua missão no menor período de tempo possível, a bela russa acaba por cair, inadvertidamente, nos braços de Leon, que se apaixona por sua personalidade séria e quase inatingível. Sem saber que ele está por trás do atraso na solução de seus problemas profissionais, Ninotchka se deixa conquistar - e quanto mais demora a venda das joias, mais complicada fica a sua situação amorosa.

 

Não é difícil perceber, no roteiro irônico e mordaz de "Ninotchka", a personalidade do futuro cineasta Billy Wilder e de seu habitual parceiro, Charles Brackett. Chamados por Lubitsch para reescrever o texto original - de autoria de Gottfried Reinhardt e S. N. Behrman -, a dupla de roteiristas uniu-se a Walter Reisch e criou uma pequena obra-prima. Com um humor sardônico que não perdoa nada e nem ninguém, a trama de "Ninotchka" nada tem de política, apenas utilizando-se de um pano de fundo sócio-histórico para contar uma história de amor que vence qualquer tipo de idealismo. Se por um lado faz piada dos estereótipos russos, também não poupa a pretensa superioridade capitalista - e enfatiza, com inteligência, o choque cultural entre seus protagonistas. Tal particularidade encontra na direção de Lubitsch a tradução perfeita - o cineasta jamais tenta ser maior que o enredo e seus personagens - e em seu elenco a personificação exata. Se Melvyn Douglas está preciso na sua interpretação do galante D'Algout - a ponto de sua dubiedade ser mais um charme do que um defeito -, é Greta Garbo quem engole tudo à sua volta, com seu magnetismo único a serviço de uma das personagens mais icônicas do cinema americano. A cena em que Ninotchka finalmente vê sua rigidez quebrada e solta uma gargalhada é, sem favor, antológica - não por acaso, ilustra o cartaz do filme e reitera seu slogan publicitário.

Banido na URSS por razões óbvias, "Ninotchka" sobrevive à prova do tempo principalmente por sua narrativa moderna, leve e inteligente. Não deixa de ser irônico saber que a presença de Ernst Lubitsch na cadeira de de diretor foi resultado da saída de George Cukor, que abandonou o projeto para comandar "... E o vento levou" - do qual também saiu para dar lugar a Victor Fleming. Grande responsável pelo tom sofisticado do resultado final de "Ninotchka", Lubitsch, nascido na Alemanha em 1892, se tornou um dos grandes cineastas da era de ouro de Hollywood, conhecido por comédias românticas como "A loja da esquina" (1940) - refilmado em 1998 como "Mensagem para você", estrelado por Tom Hanks e Meg Ryan -, "Ser ou não ser" (1942) e "O diabo disse não" (1943) - que lhe rendeu uma indicação ao Oscar. Conhecido pelo que se convencionou chamar de "o toque Lubitsch", ofereceu a "Ninotchka" uma personalidade rara - algo que faltou em seu remake musical "Meias de seda", estrelado por Cyd Charisse e Fred Astaire em 1957. Nada contra a dupla, mas ninguém melhor que Greta Garbo e sua postura para dar viva à misteriosa Ninotchka.

 

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