UM LUGAR NO CORAÇÃO (Places in the heart, 1984, TriStar Pictures, 111min) Direção e roteiro: Robert Benton. Fotografia: Néstor Almendros. Montagem: Carol Littleton. Música: John Kander. Figurino: Ann Roth. Direção de arte/cenários: Gene Callahan/Derek Hill, Lee Poll. Produção executiva: Michael Hausman. Produção: Arlene Donovan. Elenco: Sally Field, Danny Glover, John Malkovich, Ed Harris, Amy Madigan, Lindsay Crouse. Estreia: 04/10/84
07 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Robert Benton), Atriz (Sally Field), Ator Coadjuvante (John Malkovich), Atriz Coadjuvante (Lindsay Crouse), Roteiro Original, Figurino
Vencedor de 2 Oscar: Atriz (Sally Field), Roteiro Original
Vencedor do Golden Globe de Melhor Atriz/Drama (Sally Field)
Na cerimônia do Oscar que premiou os melhores filmes de 1984, uma situação atípica configurou-se na categoria de melhor atriz. Três das candidatas ao prêmio da Academia estavam na briga por papéis quase similares. Tanto Jessica Lange em "Minha terra, minha vida" quanto Sissy Spacek em "O rio do desespero" e Sally Field em "Um lugar no coração" chegaram às finais da disputa interpretando mulheres fortes e determinadas a defender sua propriedades rurais. Field levava vantagem - estava indicada por uma produção que também concorria a estatuetas de filme, direção e roteiro - e acabou saindo vitoriosa pela segunda vez na carreira, mas a a coincidência temática acusava mais do que simples falta de originalidade: no meio da década de 1980, uma espécie de ciclo de filmes situados nos anos pós-Depressão parecia servir como uma luva ao conservadorismo do governo Reagan, então em seu primeiro mandato como presidente. Ao voltar os olhos para o passado, os grandes estúdios de Hollywood recontavam uma parte da história que ninguém desejava repetir - e de quebra davam a cineastas e atores grandes oportunidades dramáticas e artísticas. Tudo bem que "Um lugar no coração" não levou o Oscar de melhor filme, mas sua premiação na categoria de roteiro original - contra três comédias - é sinal inequívoco de que até mesmo a Academia se deixou levar por tal sentimento de melancolia e superação.
Não que o filme de Robert Benton - voltando ao Oscar cinco anos depois do triunfo de seu "Kramer vs Kramer" (1979) - careça de qualidades que justificam seu sucesso junto à crítica. Com uma protagonista com ecos de Scarlett O'Hara e um tom triunfalista capaz de emocionar aos espectadores mais sensíveis, "Um lugar no coração" é um filme à moda antiga, com personagens complexos, uma trama simples mas eficiente e a felicidade de driblar o sentimentalismo e os clichês - quando estes aparecem servem como combustível para a história e não como uma muleta narrativa. Amparado por uma atuação caprichada de Sally Field - que também saiu vitoriosa no Golden Globe - e um elenco coadjuvante brilhante que inclui um jovem John Malkovich e Danny Glover em um de seus primeiros papéis importantes, a produção de Benton conquista desde as primeiras cenas, graças a um roteiro redondo que permite à plateia que se envolva com os dramas de seus personagens - mesmo contando uma história norte-americana em sua raiz mais profunda, é inegável que os sentimentos que inspiram são universais.
A protagonista de "Um lugar no coração" é Edna Spalding. Dona de casa, esposa e mãe dedicada de dois filhos pequenos, ela vive em uma pequena fazenda localizada em Waxahachie, Texas, no começo dos anos 1930. Sua vida pacata e sem sobressaltos - apesar do constante perigo que cerca seu marido xerife - sofre uma triste reviravolta quando um acidente a deixa inesperadamente viúva. Cheia de dívidas e sem experiência de trabalho braçal, Edna se recusa a capitular e vender sua propriedade - o que resultaria também em uma separação da família. Dotada de extrema força de vontade e garra, ela resolve então trabalhar exaustivamente para transformar suas terras em uma fazenda de algodão, contando, para isso, com a ajuda de Moses (Danny Glover) - um homem negro que aparece no local pedindo esmola - e Will Denby (John Malkovich), um rapaz cego que aluga um quarto em sua casa. Correndo contra o tempo e as dificuldades da economia frágil da época, a voluntariosa Edna ainda precisa escapar das ameaças da Klu Klux Klan, que não vê com bons olhos sua amizade com Moses.
Cuidadoso na reconstituição de época e no trabalho de direção de seus atores, Robert Benton faz um gol e tanto em "Um lugar no coração". Ao construir um roteiro que trata com carinho tanto seus protagonistas como seus coadjuvantes, o cineasta oferece ao espectador uma viagem ao passado, evocada diretamente de suas próprias lembranças. Nascido na mesma Waxahachie de seus protagonistas, Benton faz das recordações da sua infância a matéria-prima de sua história, ainda que ela seja completamente fictícia. O tom nostálgico que perpassa cada sequência - valorizado pela música de John Kander e a bela fotografia do veterano Néstor Almendros - é responsável direto pelo sucesso de sua narrativa, que foge dos exageros mesmo quando faz de sua personagem central uma mulher quase sem defeitos. Ao dotar Edna Spalding de um caráter firme e brios de guerreira, o diretor parece dizer que não lhe interessa mostrar o que ela tem de errado, e sim sublinhar sua força e dignidade. Saindo dos anos 1970, uma época em que anti-heróis dominavam a indústria, o cinema norte-americano dava sinais de que pretendia voltar a valores mais sólidos e menos cínicos. Dentro dessa premissa, "Um lugar no coração" é exemplar - e de quebra emociona sem fazer muito esforço.
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