O GRANDE DITADOR (The great dictator, 1940, Charles Chaplin Productions, 125min) Direção e roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Karl Struss, Roland Totheroh. Montagem: Willard Nico. Música: Charles Chaplin, Meredith Wilson. Direção de arte/cenários: J. Russell Spencer/Edward G. Boyle. Elenco: Charles Chaplin, Paulette Goddard, Jack Oackie, Reginald Gardiner, Henry Daniell, Billy Gilbert, Grace Hayle. Estreia: 15/10/40
5 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Ator (Charles Chaplin), Ator Coadjuvante (Jackie Oackie), Roteiro Original, Trilha Sonora Original
Por um bom tempo Charles Chaplin desejou realizar um filme sobre Napoleão Bonaparte - e em 1936 já tinha inclusive um script em mente para dar vazão à sua ambição. A ascensão política de Adolf Hitler e Benito Mussollini, no entanto, mudou seus planos: ciente da persona dramática e exagerada do ditador alemão e de suas possibilidades cômicas - além de ter sido alertado do fato de dividir com ele algumas características físicas -, Chaplin resolveu desenvolver uma trama que ridicularizasse o nascente nazismo e seu líder. Nascia, assim, "O grande ditador", que se tornaria o maior sucesso de bilheteria de sua carreira e um dos maiores clássicos do cinema. Indicado a cinco Oscar - incluindo melhor filme, ator e roteiro original - e celebrado como uma obra-prima corajosa e visionária, o filme não escapou de polêmicas à época de seu lançamento (e muito tempo depois) e sobrevive, até hoje, como uma das realizações fundamentais de seu criador, um dos ícones do cinema m udo.
Primeiro filme totalmente falado de Chaplin, "O grande ditador" começou a incomodar antes mesmo de iniciar suas filmagens. Com medo das represálias que um tema político poderia acarretar em um momento tão crítico, os estúdios tentavam demover o cineasta da ideia de fazer um filme que tinha como protagonista uma representação pouco disfarçada de um dos líderes mundiais. Incentivado por ninguém menos que Franklin D. Roosevelt, porém - que mandou um representante oficial para lhe dar apoio -, Chaplin foi adiante e financiou sozinho uma produção arriscada, demorada (539 dias de filmagens) e cujo sucesso era completamente imprevisível. Mais adiante, o diretor/ator/produtor declararia que, caso soubesse da extensão das atrocidades cometidas em nome de Hitler, jamais teria feito piada sobre o assunto - uma informação negada por pessoas próximas a ele, que afirmam que o avanço do nazismo não o impediu de manter inalterado seu objetivo de criar uma comédia sobre um assunto tão sério. É fato, porém, que quando a produção começou de verdade, em 1937, a violência nazista ainda estava muito aquém daquela que seria nítida em 1940, quando o filme finalmente viu a luz dos refletores - nove meses depois do lançamento de "You natzy spy!", curta-metragem estrelado pelos Três Patetas que entrou para a história como a primeira sátira anti-nazismo do cinema.
Depois de pronto, "O grande ditador" tampouco deixou de gerar controvérsia, por motivos óbvios. Banido da Espanha, onde só pode estrear em 1976, meses depois da morte de Francisco Franco, e de todos os países ocupados pela Alemanha, o filme acabou sendo abraçado pelo governo britânico como uma valiosa peça de propaganda - uma bem-vinda mudança de atitude que só aconteceu com a entrada do país na guerra contra Hitler e seus aliados. Nem o próprio Hitler, aliás, segundo consta, deixou de assistir o trabalho de Chaplin: biografias de Eva Braun afirmam, por exemplo, que o veto da produção em todo o território alemão (que vigorou até 1958) não impediu o chanceler germânico de assistir à comédia no mínimo duas vezes - e se divertir com ela. O mesmo não aconteceu, no entanto, com um grupo de soldados que teve a oportunidade de conferir o resultado em uma sessão nos Balcãs - com uma cópia contrabandeada da Grécia, membros da resistência apresentaram o filme aos fieis seguidores de Hitler (ignorantes do conteúdo até depois do começo da sessão) e testemunharam uma revolta que, conforme relatos, resultou até mesmo em tiros em direção à tela. Um resultado até mesmo previsível - principalmente em vista do enorme sucesso comercial do filme, cuja mensagem final, de paz e liberdade, destoavam completamente da beligerante ideologia nazista.
Mas nem só de ideologia e crítica social vive um filme, e "O grande ditador" é, acima de tudo, excelente cinema. Sem abrir mão de seu genial talento para o humor físico, Charles Chaplin se aproveitou das vantagens do som para criar uma obra-prima que mescla, de forma magistral, sequências visuais impagáveis - especialmente em sua primeira metade e na célebre cena em que o ditador dança com um globo - com piadas verbais fascinantes - os discursos do histérico Hynkel, completamente nonsense, são inesquecíveis. A declaração final do protagonista (o barbeiro judeu confundido com o ditador) não tornou-se um clássico à toa: insistindo em mantê-la na edição definitiva - apesar de conselhos contrários -, Chaplin deixou clara e indelével sua posição em relação à guerra e ao fascismo. Se hoje seu discurso soa tristemente atual, pode-se dizer que, à época, ajudou a construir a ideia de que o cineasta era simpatizante do comunismo - fato que o levou ao exílio voluntário, anos mais tarde. Indicado ao Oscar de melhor ator, perderia para James Stewart (por "Núpcias de escândalo") e só retornaria à cerimônia da Academia em 1972, para receber um prêmio honorário em homenagem à sua contribuição ao cinema. Em 1973, voltou a concorrer - pela trilha sonora de "Luzes da ribalta", realizado em 1952 mas lançado em Los Angeles somente vinte anos mais tarde - e, no Natal de 1977, morreu tranquilamente em sua casa na Suíça, deixando um legado inestimável a públicos de todas as gerações.
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