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A CAIXA DE PANDORA


A CAIXA DE PANDORA (Die busche der Pandora, 1929, Nero-Film AG, 109min) Direção: Georg Wilhelm Pabst. Roteiro: Ladislaus Vajda, peças teatrais de Frank Wedekind. Fotografia: Gunther Krampf. Montagem: Joseph Fleisler. Figurino: Gottlieb Hesch. Direção de arte/cenários: Andrej Andrejew/Hesh. Produção: Heinz Landsman. Elenco: Louise Brooks, Fritz Kortner, Franz Lederer, Carl Goetz, Krafft-Raschig, Alice Roberts. Estreia: 30/01/29

Ao assumir o papel da amoral Lulu em "A caixa de Pandora" - a adaptação feita por Georg Wilhelm Pabst das peças teatrais de Frank Wedekind - a norte-americana Louise Brooks tornou-se, de imediato, um símbolo sexual duradouro, um marco no erotismo no cinema e uma imagem indelével da cinematografia alemã das primeiras décadas do século XX. Sua presença magnética e sua expressividade fascinante, no entanto, não foram sempre unanimidade, principalmente junto aos conterrâneos de Pabst e Wedekind -  ultrajados pelo fato de uma estrangeira viver uma personagem tão arraigada na cultura germânica, os fãs do texto original demoraram a reconhecer em Brooks a principal característica de Lulu: sua sensualidade latente, sempre à beira da ruína (própria ou alheia). Bastou, porém, a estreia, para que quaisquer detratores reconhecessem o óbvio: ali estava, diante de seus olhos, uma das mais certeiras personificações do que se convencionou chamar de mulher fatal - e o nascimento de um mito que, entre altos e baixos, atravessaria o tempo e povoaria o imaginário popular de inúmeras gerações.

Mesmo com o casamento perfeito entre personagem e atriz, no entanto, "A caixa de Pandora" não foi um sucesso imediato - em parte porque, em seus estertores, o cinema mudo perdia boa parte de público para os filmes falados, já em franca ascensão, e em parte porque a crítica em si não chegou a ser exatamente efusiva a respeito de suas qualidades. Foi somente cinquenta anos depois de sua estreia, em 1979, que uma plateia bem mais entusiasta o redescobriu, graças a uma reportagem do britânico Kenneth Tynan para a revista New Yorker: a matéria "The girl in the black helmet" apresentava Louise Brooks a uma nova geração - com ela surgia um novo interesse por sua carreira, e por conseguinte, por seus trabalhos na Europa. Incentivado pela própria atriz - que comparecia a sessões de relançamento e alimentava o culto à sua personalidade -, o renascimento de seu filme mais famoso revelou uma obra-prima esquecida pelo tempo e abriu as portas para novas manifestações culturais baseadas em seu material original, como a peça teatral "Lulu", de 1997, que misturava, na mesma montagem, os textos de Wedekind, referências ao filme de Pabst e elementos da vida de Brooks.

 

Brooks, aliás, por pouco não ficou de fora de "A caixa de Pandora". Apesar de escolhida por Pabst depois que o cineasta conferiu seu trabalho em "Uma noiva em cada porto" (1928), a atriz viu-se obrigada a declinar do convite por problemas contratuais com a Paramount Pictures, que não concordou em liberá-la para as filmagens fora dos EUA. Sem poder contar com a atriz de sua preferência, o cineasta alemão teve de contentar-se com uma segunda opção, uma conterrânea chamada Marlene Dietrich. Na última hora, porém, o destino interveio: Brooks foi dispensada pela Paramount por problemas de salário e Dietrich acabou indo parar nos sets de "O anjo azul" (1930), de Josef von Sternberg - e ofereceu um desempenho inesquecível que a colocou merecidamente no rol das grandes estrelas do cinema. Brooks, por sua vez, iniciou uma série de três filmes na Europa - onde, segundo ela mesma, tinha mais liberdade e era mais desafiada artisticamente do que em Hollywood - e, apesar de alguns problemas na produção (seu colega de cena Fritz Kortner, por exemplo, não fazia parte de sua lista de admiradores), ditou moda e influenciou o comportamento feminino do final dos anos 1930 com sua exuberante Lulu.

Mas, no final das contas, sobre o que é o filme "A caixa de Pandora"? Apesar do título remeter ao mito grego, a trama se passa em uma Berlim decadente e amoral, onde a bela Lulu (interpretada por Brooks com o equilíbrio certo entre inocência e vulgaridade) faz uso do poder de sua sensualidade para dominar os homens (e até algumas mulheres) à sua volta. É essa sua força destruidora que a aproxima do poderoso Ludwig Schon (Fritz Kortner), um editor milionário que, mesmo apaixonado por ela, se recusa a um compromisso mais sério por causa de sua diferença de classes sociais. Depois de seduzir até mesmo o filho de Schon, o romântico Alwa (Franz Lederer), a sexy dançarina consegue levar seu velho amante ao altar, mas uma tragédia acaba levando-a a empreender uma fuga desesperada. No caminho, ao lado de seu velho protetor Schigolch (Carl Gotz), de Alwa e da Condessa Geschwitz (Alice Roberts) - todos envolvidos por seu poder de sedução -, Lulu se vê obrigada a uma nova vida, ao mesmo tempo excitante e perigosa.

Com uma bela fotografia de Gunther Krampf, um roteiro ousado de Ladislaus Vajda e personagens complexos, que fogem do maniqueísmo e dos clichês, "A caixa de Pandora" não figura à toa na lista dos maiores clássicos do cinema europeu da história. Apostando em uma sensualidade amoral que deixaria os estúdios de Hollywood chocados - em especial com o advento do famigerado Código Hays, que limitou brutalmente os avanços comportamentais nos filmes norte-americanos a partir de 1930 -, Georg Wilhelm Pabst desafiou as regras e marcou um gol de placa, deixando seu nome marcado para sempre na memória do público.

 

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