segunda-feira

O PADRE


O PADRE (Priest, 1994, Miramax Films, 98min) Direção: Antonia Bird. Roteiro: Jimmy McGovern. Fotografia: Fred Tammes. Montagem: Susan Spivey. Música: Andy Roberts. Figurino: Jill Taylor. Direção de arte/cenários: Raymond Langhorn/Sue Pow. Produção executiva: Mark Shivas. Produção: George Faber, Josephine Ward. Elenco: Linus Roache, Tom Wilkinson, Robert Carlyle, Robert Pugh, Cathy Tyson, Lesley Sharp. Estreia EUA: 24/3/95

Dentre inúmeros países que levam muito a sério a sua origem católica, a Irlanda provavelmente é um dos mais radicais, e não gosta nem um pouco que se toque em qualquer polêmica relativa a sua religião. Um exemplo claro dessa afirmação é seu violento boicote a "O padre", realizado pela cineasta inglesa Antonia Bird. Ao centrar sua história em um sacerdote homossexual com dúvidas em relação a um dos principais dogmas da Igreja, Bird desagradou a cúpula religiosa irlandesa, que tentou banir o filme dos cinemas. Tendo estreado mundialmente no Festival de Toronto de 1994, o filme alcançou as telas inglesas e americanas em março do ano seguinte, dividindo opiniões mas dando seu recado de forma bastante contundente.

A história começa quando o jovem padre Greg Pilkington (o ótimo Linus Roache, que anos depois faria o pai de Christian Bale em "Batman begins") chega a uma paróquia de Liverpool para substituir um antigo religioso. Logo que chega ao local, porém, Greg descobre que o pároco, Padre Matthew Thomas (Tom Wilkinson) não é exatamente praticamente do celibato, tendo um relacionamento estável com uma funcionária, Maria Kerrigan (Cathy Tyson). A princípio chocado com a descoberta, aos poucos Greg inicia uma relação de amizade e admiração pelo religioso mais velho, principalmente porque também seus segredos e dúvidas. Homossexual, ele passa a se encontrar às escondidas com o operário Graham (Robert Carlyle), lutando contra suas convicções. Sua fé fica definitivamente abalada, no entanto, quando ele descobre, através da confissão, que a adolescente Lisa (Christine Temarco) é abusada sexualmente pelo próprio pai. Sem poder revelar o trágico segredo, Greg fica de mãos amarradas e inicia uma jornada de revisão de todos os seus conceitos.

"O padre" não tem medo de polemizar. Cenas de sexo ousadas, diálogos bastante inteligentes a respeito da falta de sentido de alguns dos principais pilares da igreja católica e incesto desfilam pela tela diante dos olhos da plateia, a qual só resta tomar partido: é um filme forte e de ideias liberais ou apenas uma obra com vontade de chocar a audiência mais conservadora? Talvez a resposta esteja na coluna do meio. "O padre" merece aplausos por sua coragem em tocar em temas que precisam ser discutidos sem falsos moralismos, mas o faz, em certos momentos, sem uma bem-vinda dose de sutileza. Antonia Bird consegue provocar a discussão, mas a encerra de maneira um tanto abrupta e simplista. Até lá, no entanto, boa parte de suas intenções atingiram o objetivo: "O padre" toca em feridas e só por isso já é digno de louvor.


Primeiro, o roteiro de Jimmy McGovern ousa questionar o celibato, na figura do Padre Thomas, interpretado com o talento conhecido de Tom Wilkinson. Adepto da Teologia da Libertação, o veterano sacerdote vive em constante conflito com seus superiores a respeito de todo e qualquer assunto relacionado às formalidades católicas e suas discussões com o bispo são interessantes e relevantes. Se tivesse dedicado o filme todo a essa questão complicada por si mesma, "O padre" já daria o que falar. Mas Antonia Bird e McGovern ainda querem mais. E aproveitam a mesma trama (incesto) para discutir abuso sexual e a importância dos segredos de confessionário. Em "Testemunha do silêncio", Alfred Hitchcock jogou Montgomery Clift na cova dos leões ao fazê-lo ser acusado de um crime do qual ele sabia o autor através da confissão. Aqui, Padre Greg é impedido de tomar qualquer atitude em relação ao drama da adolescente Lisa e isso aumenta sua crise de fé. Ou seja, assunto para longas discussões em mesas de bares, artigos de jornal e sermões.

Mas nenhuma trama de "O padre" causou mais comoção do que a discussão do homossexualismo. Antonia Bird não se furta a mostrar graficamente a opção sexual de Greg, em cenas bastante quentes, ainda que muito bem dirigidas e plasticamente atraentes. Mesmo que os demais assuntos discutidos no filme sejam tão fortes quanto as aventuras amorosas de Greg com seu amante Graham, são elas que causaram mais choque entre a comunidade religiosa irlandesa e mundial a respeito do filme. Discutir celibato? Tudo bem. Questionar a validade dos segredos de confissão? Perfeito. Mas falar sobre homossexualidade dentro da Igreja pareceu ser além da conta. À luz dos inúmeros escândalos envolvendo pedofilia e padres, no entanto, não deixa de ser de extrema ironia que um filme com pretensões sérias e legítimas tenha sido capaz de despertar tanto celeuma.

No final das contas, "O padre" é um filme que merece ser assistido por suas qualidades artísticas (o elenco é impecável), mas que fica no meio-termo entre o que poderia ser e o que se tornou. Discute assuntos muito sérios que precisam ser discutidos, mas o faz de maneira bastante simplória em alguns momentos, apesar de algumas cenas de extrema força dramática. É um filme que poderia ter sido genial, mas que esbarra em seus próprios exageros e vontade de chocar.

5 comentários:

renatocinema disse...

Meu deus.....falta tempo para eu poder assistir tantos filmes bons.

Esse é mais um que esta na minha lista. Tive um professor, que virou padre, que ama essa produção.

Rodrigo Mendes disse...

Acho que eu vi mesmo na BAND uma vez. Os Weinstein produziram muitos filmes bons na década de 90!

Abs.
Rodrigo

Cristiano Contreiras disse...

Eu mal me recordo deste, ainda bem que li aqui, já vou rever e, quem sabe, apimento!

Ótimo texto! abs

Hugo disse...

Não conhecia este filme.

Ótima dica pelo tema e o elenco.

Abraço

Aline disse...

EU ACHEI UM ÓTIMO FILME, RECOMENDO...TALVÉS PUDESSE TER SE CENTRADO MAIS EM UMA QUESTÃO APENAS - MAS EU ENTENDO A ÂNSIA DA DIREÇÃO EM FALAR SOBRE TANTOS TEMAS - REALMENTE HÁ MUITO QUE SER DITO.
MAS SABE A CENA QUE MAIS ME COMOVEU?
QUANDO EM FRENTE A CRUZ, O JOVEM PADRE SE PERGUNTA:
- O QUE VOCÊ TERIA FEITO? (PARA JESUS - EM RELAÇÃO AO CASO DO INCESTO E ABUSO DA MENINA).

- (E ELE REPONDE, SABE A RESPSOTA): EU TERIA QUEBRADO O SEGREDO DA CONFISSÃO E DENUNCIADO ESSE PAI.

- (E ELE MESMO SE DESCULPA); MAS VOCÊ ERA O FILHO DE DEUS E EU SOU APENAS UM PADRE.

ACHEI TÃO HUMANO, TÃO LINDA ESSA CENA, PORQUE VEMOS TANTOS RELIGIOSOS, CATÓLICOS OU NÃO QUE TENTAM SE COLOCAR COMO MAIORES OU MELHORES E A DIRETORA CONSEGUIU FAZER TANTO DO PADRE MAIS VELHO, COMO DO JOVEM, OS HOMENS QUE ELES SÃO.
PARA MIM, ESSE É O GRANDE MÉRITO DO FILME.

JADE

  JADE (Jade, 1995, Paramount Pictures, 95min) Direção: William Friedkin. Roteiro: Joe Eszterhas. Fotografia: Andrzej Bartkowiak. Montagem...