O JOGO DA IMITAÇÃO (The imitation game, 2014, Black Bear Pictures, 114min) Direção Morten Tyldum. Roteiro: Graham Moore, livro de Andrew Hodges. Fotografia: Oscar Faura. Montagem: William Goldenberg. Música: Alexandre Desplat. Figurino: Sammy Sheldon Differ. Direção de arte/cenários: Maria Djurkovic/Tatiana Macdonald. Produção executiva: Graham Moore. Produção: Nora Grossman, Ido Ostrowsky, Teddy Schwarzman. Elenco: Benedict Cumberbatch, Keira Knightley, Matthew Goode, Rory Kinnear, Charles Dance, Mark Strong, Allen Leech, Matthew Beard. Estreia: 29/8/1 (Festival de Telluride)
8 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Morten Tyldum), Ator (Benedict Cumberbatch), Atriz Coadjuvante (Keira Knightley), Roteiro Adaptado, Montagem, Trilha Sonora Original, Direção de Arte/Cenários
Vencedor do Oscar de Roteiro Adaptado
Se o filme fosse ruim e sua história não fosse fascinante e quase
inacreditável ainda assim "O jogo da imitação" deveria ser obrigatório
para qualquer um devido à sua mensagem pró-tolerância - conceito
abstrato desconhecido para aberrações políticas nacionais cujos nomes não serão citados para que não tenham mais mídia do que já tem sem merecê-la mas que são extremamente perigosos em seu preconceito doentio e beligerante. A
história real de Alan Turing, o matemático inglês que criou uma máquina
capaz de decifrar códigos secretos da Alemanha nazista e assim abreviou a
II Guerra em cerca de dois anos - poupando, por consequência, milhares
de vidas - não é apenas uma história de guerra. Não é apenas uma
ilustração de como o ser humano pode superar as máquinas com sua
inteligência. Não é apenas sobre um período negro na história da
humanidade. É também uma história sobre como a discriminação e a
ignorância ainda conseguem suplantar o espírito humano a ponto de compactuar com a tragédia. Sim, Alan Turing, além de gênio, era homossexual, crime
passível de prisão na Inglaterra da época, e optou pela castração
química a ter que abandonar sua criação - que tinha raízes profundas que
remetiam à sua infância e a seu primeiro e grande amor. Sim, "O jogo da
imitação" é, além de um estupendo suspense de guerra, uma bela e
emocionante história de amor.
Dirigido pelo norueguês Morten Tyldum - que merecidamente ficou entre os
indicados ao Oscar de sua categoria em um ano repleto de injustiças
cometidas pela Academia - "O jogo da imitação" é brilhante por pelo
menos duas razões. Primeiro, porque não levanta a bandeira da
homossexualidade para vender ingressos, preferindo deixar a vida pessoal
de seu protagonista vir à tona aos poucos, quase com uma subtrama que
se desvenda magistralmente no ato final, dando sentido e um toque
emocional precioso à narrativa (mérito também do roteiro de Graham
Moore). E segundo porque apresenta uma das atuações mais viscerais da temporada: na pele de Turing, o ator Benedict Cumberbatch mostra porque
tornou-se, a partir de 2012, um dos intérpretes mais requisitados de
Hollywood. Caminhando na tênue linha que separa o grotesco do sublime,
ele constroi um protagonista que, a despeito de suas características
quase clichês (é antissocial, é excêntrico, é um tanto arrogante),
conquista a simpatia do público sem precisar apelar para a compaixão -
até as explosivas sequências finais onde revela seu lado apaixonado e
desmancha o coração de qualquer ser humano dotado de alma.
Baseado em um livro de Andrew Hodges, "O jogo da imitação" é, também, um
fascinante passeio pelos bastidores da II Guerra menos retratados pelo
cinema, bem mais afeito à batalhas sangrentas do que a lutas
intelectuais. Sem deixar que as complicadas equações e códigos
decifrados por Turing sejam empecilho para a compreensão da história, o
roteiro busca concentrar-se na relação do protagonista com seus colegas
de missão - também importantes para o desfecho do conflito - e com seu
passado, contado através de flashbacks inseridos nos momentos corretos:
ao contrário do que acontece com outros filmes que abusam do recurso,
atrapalhando o ritmo com desnecessárias interrupções, a edição do
veterano William Goldenberg é certeira, trabalhando em conjunto para
desenhar o belíssimo produto final, assim como a impecável
reconstituição de época e a trilha sonora inspirada de Alexandre
Desplat. A direção de Tyldum é tão firme, aliás, que até mesmo Keira
Knightley está bem em cena, deixando de lado suas caras e bocas
costumeiras - ser indicada ao Oscar de coadjuvante talvez tenha sido mais reflexo de
um ano fraco na categoria do que da excelência de seu trabalho, mas ela
está decididamente contida e convincente.
Mas, sem dúvida nenhuma, o maior valor de "O jogo da imitação" é a força
que imprime em seus minutos finais, quando fica claro à plateia o
quanto a humanidade ainda precisa caminhar para se tornar digna de ser
assim chamada. Saber que foi um homossexual um dos maiores responsáveis
pelo fim de um período de terror no mundo, e que foi ele quem salvou
milhares de vidas talvez - talvez, já que não dá para pedir razão a
seres desprovidos dela - pudesse mudar o modo como muita coisa é vista e
percebida ainda hoje, sete décadas depois do fim do conflito. E muito
disso se deve à corajosa atuação de Benedict Cumberbatch. Seu trabalho
irretocável enfrentou concorrência ferrenha no Oscar deste ano,
principalmente do vencedor Eddie Redmayne em "A teoria de tudo" e Michael Keaton
em "Birdman", ambos excelentes em seus filmes. Mas arrepios de emoção
somente a sua interpretação ele conseguiu causar.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
segunda-feira
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