DOIS DIAS, UMA NOITE (Deux jours, une nuit, 2014, Les Films du
Fleuve/Archipel 35, 95min) Direção e roteiro: Jean-Pierre Dardenne, Luc
Dardenne. Fotografia: Alain Marcoen. Montagem: Marie-Hélène Dozo.
Figurino: Maira Ramedhan Levi. Direção de arte: Igor Gabriel. Produção
executiva: Delphine Tomson. Produção: Jean-Pierre Dardenne, Luc
Dardenne, Denis Freyd. Elenco: Marion Cottilard, Fabrizio Rongione,
Catherine Salée, Batiste Sornin, Pily Groine. Estreia: 20/5/14 (Festival
de Cannes)
Indicado ao Oscar de Melhor Atriz (Marion Cottilard)
Em 2008, todo mundo esperava que Julie Christie saísse da cerimônia de
entrega do Oscar com a estatueta de melhor atriz, por seu fantástico
trabalho em "Longe dela", da também atriz Sarah Polley. Para surpresa
dos espectadores, porém, a Academia deixou de lado sua tendência em
relegar atores estrangeiros a meros coadjuvantes e concedeu sua honra
máxima a uma francesa da qual poucos haviam ouvido falar até então: por
seu desempenho emocionante como a mais famosa cantora de seu país, no
filme "Piaf, um hino ao amor", Marion Cottilard não só faturou o prêmio
mais cobiçado do cinema, mas tornou-se uma das atrizes mais requisitadas
de Hollywood. Porém, mesmo trabalhando com nomes como Woody Allen,
Christopher Nolan e Michael Mann, a bela nunca deixou de lado os filmes
menos comerciais (aos olhos da indústria americana) e marcou presença em
produções fortes como "Ferrugem e osso" - na qual interpreta uma
treinadora de golfinhos que perde as duas pernas em um acidente de
trabalho - e "Dois dias, uma noite", filme dirigido pelos irmãos
Jean-Pierre e Luc Dardenne. Sua performance neste último - com direito a
sotaque belga, rosto lavado e a complexidade dramática de interpretar
uma mulher comum - fizeram com que novamente os eleitores da Academia se
curvassem a seu talento superlativo: Cottilard foi a única das indicadas
ao Oscar 2014 por um filme não falado em inglês - e se não fosse o
favoritismo absoluto de Julianne Moore como uma mulher diagnosticada com
Alzheimer em "Para sempre Alice" (coincidentemente a mesma doença da
qual sofria Julie Christie em "Longe dela"), não teria sido nada injusto que
um segundo homenzinho dourado fosse enfeitar sua prateleira.
Quem conhece a obra dos irmãos Dardenne - minimalista, simples e que
sempre utiliza o mais banal dos acontecimentos como matéria-prima para
seu trabalho - sabe bem o que esperar de "Dois dias, uma noite", a
dramática odisseia de uma mulher em busca de um dos direitos mais
básicos do ser humano: o de trabalhar. Sem buscar em seu roteiro o
caminho mais fácil do melodrama, os diretores/roteiristas conseguem, ao
retratar a via-crúcis de sua protagonista, expor ao mesmo tempo a crise
econômica pela qual passa a Europa, a tendência cada vez mais forte ao
individualismo e, em um registro mais esperançoso, a solidariedade que
ainda sobrevive, impávida, onde menos se espera. Quase em tempo real,
eles conduzem o espectador como testemunha ocular de um caminho de
humilhação, desespero, decepção e redenção que somente um cinema
humanista e desprovido de quaisquer artifícios sentimentaloides pode
oferecer. É sofrido, é triste, é quase desconfortável. Mas é, acima de
tudo, grandioso em sua extrema simplicidade.
Em uma atuação visceral que justifica plenamente sua indicação ao Oscar,
Marion Cottilard vive (literalmente) Sandra Bya, uma jovem mãe de
família que afastou-se do trabalho para tratar de uma depressão profunda
e que, às vésperas de seu retorno, descobre que será demitida como
forma de controlar os gastos da empresa - e gerar um bônus extra de 1000
euros para seus dezesseis colegas remanescentes, cuja votação (13x3)
decidiu por sua dispensa. Sabendo da possibilidade de uma nova eleição
na segunda-feira, ela resolve, então, passar o fim-de-semana inteiro
visitando todos os seus companheiros de trabalho com a intenção de
fazê-los mudar de ideia e, por consequência, lhe devolver a chance de um
emprego que é essencial para sua família. No caminho, ela tanto percebe
o egoísmo de alguns quanto as dificuldades enfrentadas por outros, a
quem o bônus de sua demissão poderá ser uma forma de respirar diante das
dificuldades financeiras.
Quem só gosta de cinema americano, com seu ritmo ágil e sua narrativa
quase anfetamínica, deve passar ao largo de "Dois dias, uma noite". Sem
pressa ao contar sua história, dando a cada cena, a cada diálogo e cada
personagem o tempo necessário para que seja melhor digerido pela
plateia, os irmãos Dardenne fazem de seu filme uma experiência única e
dolorosa, ainda que encerrada com uma nota de otimismo capaz de deixar o
espectador com um sorriso no rosto e paz no coração. E de quantos
filmes se pode dizer o mesmo?
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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