UM TIRO NA NOITE (Blow out, 1981, Cinema 77/Geria/Filmway Pictures, 107min) Direção e roteiro: Brian De Palma. Fotografia: Vilmos Zsigmond. Montagem: Paul Hirsch. Música: Pino Donaggio. Figurino: Vicki Sanchez. Direção de arte/cenários: Paul Sylbert/Bruce Weintraub. Produção executiva: Fred Caruso. Produção: George Litto. Elenco: John Travolta, Karen Allen, John Lithgow, Dennis Franz, Peter Boyden, Curt May. Estreia: 07/7/81
Acostumado a uma sucessão de altos e baixos em uma trajetória profissional que tanto lhe deu grandes sucessos de bilheteria, como "Os embalos de sábado à noite" (77), "Grease: nos tempos da brilhantina" (78) - e até o fraquinho mas imensamente popular "Olha quem está falando" (89) - quanto fracassos homéricos, a exemplo do tenebroso "Perfeição" (85), o ator John Travolta experimentou, em 1994, uma ressurreição de espantar até aos mais crédulos e vividos fãs de cinema, quando voltou a tornar-se um nome quente em Hollywood graças ao incensado "Pulp fiction: tempo de violência". O filme deu um bem-vindo novo fôlego a uma carreira praticamente estagnada, respeito da crítica e até mesmo uma indicação ao Oscar. Aplaudido aos quatro ventos, louvado e considerado uma das mais influentes obras da década de 90, o trabalho de Quentin Tarantino revelou a uma nova geração de espectadores um talento dramático que pouca gente conseguia vislumbrar no galã de olhos azuis que não hesitou em deixar a vaidade de lado para interpretar um matador de aluguel viciado em cocaína e muitos quilos acima do peso ideal. Esse talento, revelado em um desempenho icônico, foi descoberto por Tarantino não em seus filmes mais celebrados, onde requebrava o corpo em coreografias que marcaram época, mas sim em uma trama de suspense que naufragou nas bilheterias no início dos anos 80 apesar de suas vastas qualidades artísticas. Dirigido por Brian De Palma logo após o impacto de "Vestida para matar" - em que prestava reverência ao mestre Hitchcock - "Um tiro na noite" confirmou sua capacidade de aproveitar os velhos clichês do gênero em histórias originais, mas não encontrou seu público e teve de contentar-se em esperar que o tempo o tornasse cult - e desse à Travolta a chance de voltar às boas graças da indústria.
Como o título original já denuncia, "Um tiro na noite" é uma homenagem clara e reverente ao clássico "Blow up: depois daquele beijo" (66), de Michelangelo Antonioni. No filme do cineasta italiano, um jovem fotógrafo descobria um assassinato ocorrido em um parque no momento de revelar seus negativos. Na obra assinada por De Palma - que mesmo inspirado por Antonioni não deixa de lado seu fetiche pelos ensinamentos de Hitchcock - o protagonista é Jack Terry (John Travolta), um técnico de som de filmes de terror barato que tem sua vida transformada em uma madrugada, quando, ao gravar ruídos para um de seus próximos trabalhos, acaba sendo testemunha de um acidente de carro que mata um candidato à presidência dos EUA. No processo, salva da morte por afogamento a acompanhante do político, a prostituta Sally Bedina (Nancy Allen, à época casada com o diretor), e entra de gaiato em uma conspiração muito mais perigosa quando, ao escutar os sons gravados, descobre que antes do estouro do pneu que causou a queda do carro no rio, um tiro foi disparado. Ignorado pela polícia e pelas autoridades, Jack se une à Sally para desmascarar os culpados, utilizando-se, para isso, de seus conhecimentos profissionais.
Um apaixonado confesso pela arte cinematográfica e seus artifícios narrativos (que utiliza sem pestanejar em praticamente toda a sua filmografia), Brian De Palma faz, em "Um tiro na noite", uma bela homenagem à sétima arte, muito bem embalada em um gênero que domina como poucos. Desde a primeira sequência, que abraça carinhosamente os filmes B de horror, o cineasta oferece à plateia uma trama intrigante (ainda que previsível em muitos momentos) e recheada de um tesão explícito pela arte de fazer cinema, De Palma usa a trajetória de seu protagonista em busca da verdade como um pretexto para exibir seu vasto conhecimento do ofício. Tudo funciona como um relógio em sua narrativa visual e sonora, começando com a sutil trilha sonora de Pino Donaggio, passando pela edição enxuta e claustrofóbica de Paul Hirsch e chegando ao desenho de som, o ponto crucial do filme e razão de ser de sua existência: foi durante o processo de sonorização de "Vestida para matar" que o diretor teve a ideia de contar uma história que explorasse os bastidores do cinema através de uma técnica pouco conhecida (e também pouco valorizada) pela plateia. Surgiu, então, um enredo que misturava momentos de pura tensão, curiosidades sobre bastidores e uma conspiração que lembrava (e muito) um acidente de carro envolvendo o então senador Edward Kennedy.
Mas nem mesmo essa citação clara e óbvia a um fato político acontecido em seu próprio país - somada ao interessante mergulho no que acontece por trás das câmeras - ajudou a plateia a se deixar seduzir pelo filme. John Travolta - segunda opção para o papel, substituindo Al Pacino - arrancou elogios da crítica, mas deu início a um período escuro da carreira, que teria seguimento com "Os embalos de sábado continuam" (83) e uma série de produções ignoradas nas bilheterias. Não se sabe exatamente o que causou tal descaso popular ao filme de Brian De Palma - uma produção correta, com grandes momentos de suspense e um roteiro inteligente - mas talvez a ideia de um dos produtores (à época desconsiderada rapidamente) pudesse ter ajudado no resultado final, em termos comerciais: sem carisma e pouco conhecida do público, Nancy Allen teve seu papel quase oferecido à Olivia Newton-John, como forma de capitalizar sua química com o galã, já comprovada em "Grease". Mas Travolta já não era mais o protagonista dançante de seus maiores hits e buscava novos desafios artísticos. Demorou mais de dez anos - e o faro de Quentin Tarantino - para ser reconhecido como bom ator, mas basta prestar atenção em sua atuação em "Um tiro na noite" para perceber que seu talento já estava presente. Com mais de trinta anos de idade, o filme merece ser descoberto pelas novas gerações.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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