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UMA NOVA AMIGA

UMA NOVA AMIGA (Une nouvelle amie, 2014, Mandarin Films, 108min) Direção: François Ozon. Roteiro: François Ozon, romance de Ruth Rendell. Fotografia: Pascal Marti. Montagem: Laure Gardette. Música: Philippe Rombi. Figurino: Pascaline Chavanne. Direção de arte/cenários: Michel Barthélémy/Agnes Demaegot, Nathalie Roubaud. Produção: Eric Altmayer, Nicolas Altmayer. Elenco: Romain Duris, Anais Demoustier, Raphael Personnaz, Isild Le Besco. Estreia: 06/9/14 (Festival de Toronto)

Um dos mais prolíficos cineastas franceses de sua geração, François Ozon tem no currículo filmes de gêneros tão díspares quanto o musical ("Oito mulheres"), o suspense ("Swimming pool: à beira da piscina") e a comédia ("Potiche: esposa troféu"). Um diretor atencioso com seus atores e personagens, ele encontrou em um conto da norte-americana Ruth Rendell o material ideal para um de seus filmes mais perturbadores: ao lidar com temas como identidade de gênero e as complexidades do desejo e do amor, "Uma nova amiga" flerta com o drama, o suspense e o romance com um roteiro que ousa desafiar qualquer lugar-comum e apresentar soluções que fogem do maniqueísmo e do previsível. Talvez não seja seu melhor trabalho - o fascinante "Dentro da casa" (2012) ainda se mantém como seu auge criativo - mas é, sem dúvida, um dos mais corajosos e relevantes de sua filmografia.

Já com a ideia de filmar o conto de Rendell há alguns anos, Ozon viu na grande polêmica sobre o casamento gay na França o empurrão definitivo para acender uma controvérsia que vem se tornando cada vez mais urgente - em especial com o crescimento assustador do conservadorismo no ocidente. Avesso a rótulos e definições limitatórias, o roteiro escrito pelo próprio diretor não apenas joga luz sobre as discussões acerca de identidade de gênero: ele dinamita toda e qualquer certeza absoluta, em uma trama que evita julgamentos e apresenta personagens complexos e imprevisíveis. Não à toa, seu filme pode remeter às mais transgressoras obras do espanhol Pedro Almodovar, que em 1998 também usou um texto da escritora como base para seu "Carne trêmula" - inaugurando uma fase de ouro em sua carreira. Ao contrário de Almodovar, no entanto, que sempre explora a sexualidade de seus personagens como fator predominante em suas ações, Ozon elege como prioridade dramática as consequências de atos não exatamente movidos pela luxúria ou pelo desejo sensual, e sim por desvãos outros da psicologia humana.


O filme já começa com uma de suas protagonistas morta: é Laura (Isild Le Besco), uma mulher bela e jovem que deixa uma filha ainda bebê e um marido, David (Romain Duris) apaixonado. Quem também não se conforma com sua morte é Claire (Anais Demoustier), sua melhor amiga desde a infância e com quem dividiu todos os momentos importantes da vida. Apesar de ter sempre vivido à sombra da amiga, mais solar, bonita e carismática, Claire via nela uma espécie de irmã, e a inesperada e precoce separação a aproxima ainda mais do viúvo - especialmente quando ela descobre um segredo a seu respeito que pode alterar completamente a dinâmica de sua relação. De uma hora para outra, a bem-casada e feliz Claire se vê envolvida em um bizarro jogo de sedução involuntário, sentindo-se atraída por David quando ele se revela um ser humano muito menos simples do que parecia até então - e sua nova maneira de encarar o mundo afeta profundamente todo o seu entorno e o de sua nova amiga íntima.

Apesar de tocar diretamente em temas como identidade de gênero e a complexidade das relações humanas, "Uma nova amiga" evita ao máximo simplificações ou didatismos. O roteiro é um primor de sutileza e delicadeza mesmo quando fica impossível fugir pela tangente quanto à nova personalidade de David - personagem que Romain Duris representa à perfeição, sem maneirismos ou exagero de nenhuma espécie. Escolhido por François Ozon depois que Matthias Schonaerts saiu do projeto para filmar "Longe deste insensato mundo", Duris não foge do desafio de encarnar um protagonista ambíguo e apresenta uma atuação repleta de nuances, que oferece ao filme uma consistência única e uma força inegável. Sua química com Anais Demoustier é impecável e a forma com que Ozon desenvolve sua narrativa - sem sustos, sem grandes acontecimentos, sem dramas desnecessários - é uma aula para todos aqueles que querem polemizar por polemizar. Um filme simples que cumpre o que promete: entretém e faz pensar. Uma pérola!

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