C.R.A.Z.Y.: LOUCOS DE AMOR (C.R.A.Z.Y., 2005, Téléfilm Canada, 127min) Direção: Jean-Marc Vallée. Roteiro: François Boulay, Jean-Marc Vallée. Fotografia: Pierre Mignot. Montagem: Paul Jutras. Figurino: Ginette Magny. Direção de arte/cenários: Patrice Bricault-Vermette/Nicolas Lepage. Produção executiva: Jacques Blain, Richard Speer. Produção: Pierre Even. Elenco: Marc-André Grondin, Michel Côté, Danielle Proulx, Émile Vallée, Pierre-Luc Brillant, Maxime Tremblay, Alex Gravel. Estreia: 27/5/05
Zac Beaulieu nasceu no Dia de Natal, no seio de uma família católica e conservadora do Canadá. Quarto filho de uma prole de cinco, desde sempre foi objeto de estranhamento em seu lar machista e pouco afeito aos avanços da sociedade. Sua mãe acreditava que ele tinha o poder de curar as pessoas à distância e seu pai não compreendia sua necessidade de vestir-se de buscar sua própria identidade - seja através de roupas copiadas de seus ídolos musicais ou de atitudes consideradas pouco masculinas mesmo nos efervescentes anos 60 e 70. Inquieto por natureza e rebelde em todas as definições, Zac é o protagonista de "C.R.A.Z.Y. - Loucos de amor", representante canadense por uma indicação ao Oscar de 2006. Baseada nas memória do corroteirista François Boulay e dirigido por Jean-Marc Vallée - que anos mais tarde se tornaria figura assídua nas festas da Academia, com "Clube de Compras Dallas" (2013) e "Livre" (2014) - a comédia dramática arrebatou prêmios em diversos festivais de cinema pelo mundo e, embalada por uma trilha sonora que mistura Patsy Cline, Charles Aznavour, Pink Floyd, Rolling Stones e principalmente David Bowie, revelou um diretor inventivo e sensível, que consegue equilibrar com destreza momentos de um humor sutil e um drama comovente e que escapa milagrosamente do piegas.
Quando o filme começa, no fim de 1960, o roteiro já dá mostras de que não se trata de uma produção comum - a ironia e o humor iconoclasta são sublinhados pela edição ágil, pela narração em off do protagonista e pela trilha sonora eclética e inteligente. Quando criança, Zac é interpretado pelo carismático Émile Vallée (filho do diretor), e é impossível não se deixar conquistar por seu sorriso franco e sua timidez incurável, que transforma até mesmo as visitas à Igreja - nos Natais em que precisa dividir a atenção com o outro aniversariante, mais famoso - em momentos inspirados. Quando Zac atinge a adolescência - e por consequência sua efervescência natural - o ator Marc-André Grondin assume o papel, e sem prejuízo nenhum à narrativa, envolve o espectador em uma história que consegue ser, ao mesmo tempo, uma homenagem à rebeldia e uma ode à família, por mais idiossincrática que ela possa ser. E a de Zac, como fica claro desde o início, não é nada simples.
Pais de cinco meninos - Christian, Raymond, Antoine, Zachary e Yvan - o casal Gervais (Michel Côté) e Laurianne (Danielle Proulx) levam uma vida confortável, mas não luxuosa. Ela se dedica profundamente à criação dos filhos e à religião, tanto na forma de visitas assíduas à igreja local quanto em constantes consultas com uma picareta que se diz paranormal e identifica em seu quarto filho alguém com poderes místicos (revelados através de uma mecha loura de cabelos). Ele é um pai rígido e pouco afeito a demonstrações de afeto e carinho, mas que vê nos filhos a chance de redimir-se de uma vida não exatamente bem-sucedida. Zac, por sua vez, tenta desesperadamente encaixar-se nos moldes da rotina imposta por seus pais, principalmente quando percebe, logo cedo, que é muito mais diferente de toda a sua família do que deveria ser. Por toda a sua infância e adolescência ele irá lutar contra esse sentimento de deslocamento, ao mesmo tempo em que tentará manter um relacionamento saudável com seus principais desafios: o machismo arraigado do pai e a virulência de Raymond (Pierre-Luc Brillant), seu irmão viciado em drogas e seu principal desafeto dentro do núcleo familiar. Buscando de todas as maneiras encaixar-se no perfil esperado por todos - mesmo que aparentemente esteja pouco ligando para quaisquer convenções - o rapaz irá, aos poucos, despertar para o fato de que, independente de tudo, sua individualidade sempre irá sobressair-se aos cânones impostos pela sociedade.
Mesmo que em sua segunda metade substitua a ironia e o bom-humor por uma alta dose de drama e melancolia, "C.R.A.Z.Y." é um filme que passa longe dos tradicionais retratos amargos e deprimentes da comunidade gay que o cinema costuma apresentar - ou ao menos premiar e louvar. Tem um clima constante de desconstrução de clichês, enfatizado pela seleção cuidadosa das obras que formam sua trilha sonora (especialmente a canção-título, interpretada por Patsy Cline, idolatrada pelo pai do protagonista) e pela reconstituição de época, impecável mas nada óbvia. Sem precisar nem ao menos explicitar a sexualidade de Zac com cenas mais ousadas, Jean-Marc Vallée constroi uma narrativa que funciona em todos os níveis emocionais e intelectuais a que se propõe. É um filme delicado, engraçado, comovente e que não subestima a inteligência do espectador. Um belo cartão de visitas para um cineasta de talento e sensibilidade. Em tempo: o titulo "C.R.A.Z.Y." é a união das iniciais dos cinco filhos do casal Beaulieu, como fica evidente nos créditos finais. Um filme encantador!
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