terça-feira

EU, EU MESMO E IRENE


EU, EU MESMO E IRENE (Me, myself & Irene, 2000, 20thCentury Fox, 116min) Direção: Bobby Farrelly, Peter Farrelly. Roteiro: Bobby Farrelly, Peter Farrelly, Mike Cerrone. Fotografia: Mark Irwin. Montagem: Christopher Greenbury. Música: Lee Scott, Pete Yorn. Figurino: Pamela Withers.Direção de arte/cenários: Sidney J. Bartholomew Jr./Scott Jacobson. Produção executiva: Tom Schulman, Charles B. Wessler. Produção: Bobby Farrelly, Peter Farrelly, Bradley Thomas. Elenco: Jim Carrey, Renée Zellweger, Chris Cooper, Robert Forster, Richard Jenkins. Estreia: 15/6/2000

Sutileza nunca foi o forte de Bobby e Peter Farrely. Desde que apareceram no radar de Hollywood com "Débi & Lóide: dois idiotas em apuros" (1994), os irmãos não pararam de apelar para a vulgaridade como forma de fazer as plateias gargalharem sem que fosse preciso acionar o cérebro. Atingiram o auge do sucesso com "Quem vai ficar com Mary?" (1998), em que aproveitaram a popularidade e o carisma de Cameron Diaz para um desfile de piadas infames com o verniz de credibilidade oferecido por um grande estúdio (a 20th Century Fox) e se tornaram nomes quentes na indústria. Porém, até mesmo aqueles que fingiam não ver o excesso de grosserias visuais e verbais de seus primeiros filmes não deixaram de ficar chocados com a absoluta falta de noção apresentada em "Eu, eu mesmo e Irene". Estrelado pelo mesmo Jim Carrey de "Débi & Lóide" e valorizado pela presença da sempre ótima Renée Zellweger, o terceiro longa dos Farrelly não poupa o espectador de piadas constrangedoras que atingem todo e qualquer tipo de minoria - racial, étnica ou médica -, mas esbarra perigosamente em sua falta de limites. Mesmo com uma bilheteria polpuda de quase 150 milhões de dólares, a comédia quase romântica dos Farrelly encontrou severa resistência em sua estreia, e foi criticado justamente por aquilo que parecia ser o ponto forte dos cineastas: o humor politicamente incorreto.

Quem primeiro chiou a respeito do filme foram as associações de familiares de portadores de esquizofrenia, que não gostaram nem um pouco de ver a doença tratada como piada - principalmente da forma avassaladoramente histriônica apresentada por Jim Carrey no auge de seu sucesso no gênero. Depois disso, vieram reclamações sobre como o filme debochava de anões, negros e albinos - se quisesse, qualquer um poderia encontrar motivos justos para queixas. A grande questão, porém,  descontado o absoluto desprezo da dupla de realizadores por um mísero traço de sofisticação, é o fato de que, apesar de seguir quase à risca a fórmula dos primeiros filmes dos cineastas, "Eu, eu mesmo e Irene" não é nem de longe tão engraçado quanto eles. Primeiro por forçar piadas que soam deslocadas e nem sempre funcionam. E principalmente porque, ao contrário de seus trabalhos anteriores, elas estão diluídas em uma trama que exige mais do espectador do que simplesmente risadas - por vezes, a história (fraca) que envolve os personagens fica tão confusa que sobra pouco tempo para rir.

 

O personagem central do filme é Charlie Baileygates, um pacato policial de Rhode Island, cumpridor das leis, afável a ponto de ser tratado como capacho por quase todo mundo e um pai dedicado de trigêmeos que são a prova do adultério da ex-esposa. Continuamente abusado em sua boa-fé, ingenuidade e bondade, um dia Charlie deixa escapar uma nova personalidade: bruto, desbocado, vulgar e sem filtros, Hank assusta os moradores da pequena cidade e principalmente seus colegas de trabalho. Ciente dessa nova condição psíquica de Charlie - administrável quando devidamente medicada -, seu superior, Coronel Partington (Robert Forster) lhe dá uma missão simples: acompanhar com segurança, até o estado de Nova York, a forasteira Irene Walker (Renée Zellweger), presa por dívidas com a polícia rodoviária. No caminho, porém, Charlie descobre que Irene está na mira de policiais corruptos e um ex-namorado tóxico, que farão de tudo para eliminá-la. Intercalando momentos bons com outros dominados por Hank, ele se apaixona pela bela fugitiva e passa a disputá-la com seu grosseiro alterego.

Assumindo o papel central depois que Jack Black pulou fora do projeto, Jim Carrey deita e rola em sua mais absoluta zona de conforto. Seu talento para o humor físico serve como uma luva para as insanidades do roteiro - terminado por Mike Cerrone em 1991 e posteriormente adequado ao estilo dos irmãos Farrelly pelos próprios diretores - e é difícil imaginar outro ator com a coragem suficiente de participar, em uma fase já de grande prestígio na carreira, de algumas sequências francamente duvidosas (sem spoilers, basta citar um momento com uma mãe amamentando um bebê e outro com uma vaca atropelada no meio da estrada). Renée Zellweger está encantadora como Irene Walker, mas tem pouco a fazer diante das atrocidades comandadas por Carrey (com quem namorou durante as filmagens), e o elenco coadjuvante conta com nomes consagrados por indicações ou vitórias no Oscar (Chris Cooper, Richard Jenkins, Robert Forster). Nada disso impede, no entanto, que "Eu, eu mesmo e Irene" fique na história mais como um filme que talvez tenha ido longe demais em seu conceito de humor a qualquer preço do que por suas qualidades artísticas e/ou cômicas. Não à toa, os próprios Farrelly o consideram seu pior filme - e isso que depois eles ainda virariam sua metralhadora giratória para obesos ("O amor é cego", de 2000) e gêmeos siameses ("Ligado em você", de 2003), até Peter deixar de lado seu pendor para o politicamente incorreto, e cometer "Green Book: O Guia", que levou o Oscar de melhor filme de 2018 ao falar sobre racismo (mesmo que sob um ponto de vista branco e pouco profundo).

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