quinta-feira

A METADE NEGRA


A METADE NEGRA (The dark half, 1993, Orion Pictures, 122min) Direção: George A. Romero. Roteiro: George A. Romero, romance de Stephen King. Fotografia: Tony Pierce-Roberts. Montagem: Pasquale Buba. Música: Christopher Young. Figurino: Barbara Anderson. Direção de arte/cenários: Cletus Anderson/Jane Catherine Hyland, Brian J. Stonestreet. Produção executiva: George A. Romero. Produção: Declan Baldwin. Elenco: Timothy Hutton, Amy Madigan, Michael Rooker, Robert Joy, Rutanya Alda, Tom Mardirosian. Estreia: 23/3/93

Publicado em 1989, o livro "A metade negra", de Stephen King tem, em seu cerne, várias ligações pessoais com seu autor. Última obra sua antes de abandonar de vez o álcool, a trama reflete, segundo ele mesmo, a batalha de duas personalidades pelo domínio da mente de um escritor. Além disso, sua premissa espelha os fatos que levaram à revelação de que era ele, na verdade, o homem que vinha publicando, com sucesso, vários livros com o pseudônimo de Richard Bachman. À parte esses detalhes particulares, centrar seu foco em um protagonista escritor não era novidade a King - basta lembrar, entre as obras adaptadas para o cinema, de "O iluminado" (1980) e "Louca obsessão" (1990) - e o encontro do mestre do terror literário norte-americano com George A. Romero, um dos maiores expoentes do gênero na sétima arte, parecia um projeto dos sonhos para os fãs. Para frustração de todos, no entanto, as coisas não correram como o esperado: finalizado em 1991, o filme de Romero demorou quase dois anos para chegar às telas, vítima dos problemas financeiros da Orion Pictures, e fracassou nas bilheterias, não arrecadando, no mercado doméstico (EUA e Canadá), nem mesmo o suficiente para cobrir seu orçamento de aproximadamente 15 milhões de dólares. Dividindo a crítica mas agradando ao público-alvo - graças a uma adaptação bastante fiel -, "A metade negra" ficou no meio do caminho: não é um fiasco como algumas versões de obras de King mas tampouco chega a ser um filme inesquecível.

Quando assumiu as rédeas de "A metade negra", Romero não assinava um longa-metragem inteiro desde "Instinto fatal" (1988) - em "Dois olhos satânicos" (1990) ele havia dirigido apenas um episódio, deixando o outro a cargo de Dario Argento - e seu retorno, principalmente em uma trama criada por Stephen King, deixou todo mundo empolgado. Os problemas, no entanto, já começaram nas filmagens, com constantes atritos entre diretor e ator principal. Premiado com o Oscar de coadjuvante por sua estreia no cinema, em "Gente como a gente" (1980), Timothy Hutton não emplacava um sucesso há muito tempo, e sua relação com o veterano cineasta não era exatamente das mais tranquilas - uma das brigas chegou a resultar em um quase abandono do projeto, retomado depois de alguns dias. Com o filme pronto, outro baque: em sérias dificuldades comerciais, o estúdio por trás da produção, a Orion, foi obrigado a adiar indefinidamente a estreia. Parecia que os ventos realmente não estavam favoráveis, e o lançamento, quase dois anos depois do prazo inicialmente previsto, também não foi dos mais auspiciosos: com desempenho medíocre de bilheteria e críticas mornas, o filme de Romero perdeu a oportunidade de ficar marcado como uma das obras mais importantes do cinema de terror dos anos 1990.

 

O protagonista de "A metade negra" é Thad Beaumont (Timothy Hutton), escritor e professor universitário que esconde, de seus alunos e do público em geral, ser o verdadeiro autor de uma bem-sucedida série de livros assinada por um tal de George Stark. Tendo mantido em segredo por anos seu pseudônimo, Beaumont se vê chantageado por um desconhecido que ameaça desmascará-lo e por em xeque seu atual prestígio. Para evitar tal situação, ele mesmo revela o caso, e dá uma entrevista onde figurativamente mata Stark - com direito a foto em um túmulo. Quando o fotógrafo da matéria é assassinado, Thad é procurado pelo xerife Alan Pangborn (Michael Rooker) e descobre ser o principal suspeito do crime. O que parecia absurdo fica ainda mais inacreditável quando outras pessoas ligadas ao escritor passam a ser violentamente mortas - tudo indica que o responsável pelos crimes é George Stark, a personalidade sombria de Thad, que se recusa a ser abandonada e deseja assumir o domínio sobre ele. Cabe então ao atormentado autor evitar mais mortes, provar sua inocência (??) e manter a salvo sua mulher, Liz (Amy Madigan) e seus dois filhos gêmeos - uma estrutura familiar que lembraria a da sua infância, caso ele não tivesse absorvido, em seu organismo, um irmão que não se desenvolveu de forma normal.

O problema de "A metade negra" não é a adaptação - que segue o material original com fidelidade quase canina - nem a direção de Romero - que explora com gosto todas as possibilidades visuais de um romance bastante violento. Tampouco o responsável é Timothy Hutton, um ator de grandes recursos e que consegue viver as duas faces do protagonista de forma convincente e orgânica. O que prejudica o resultado final é a edição pouco ágil - o corte de uns bons quinze minutos faria maravilhas - e a falha do roteiro em oferecer verossimilhança aos personagens. A forma com que Thad lida com o fato de ser acusado de uma série de brutais assassinatos e a maneira com que tenta convencer o xerife de que o responsável é alguém criado em sua imaginação, por exemplo, não soam naturais nem mesmo dentro do universo ficcional em que estão inseridas. E se as cenas dos assassinatos são, em sua maioria, empolgantes, o clímax não deixa de ser um tanto cansativo - justamente por se estender demais. Enquanto estabelece seu clima, oferece a violência gráfica esperada de um produto George A. Romero e brinda o espectador com a lealdade ao texto de Stephen King, "A metade negra" brilha e envolve. Uma pena que, em seu terço final, perca a potência, ao abraçar o trash - que mesmo sendo característica do diretor, destoa do tom até então apresentado. Mesmo assim, é uma produção acima da média no gênero e sobrevive bem ao teste do tempo, principalmente pelo esforço do elenco.

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