SEGREDOS DE UMA NOVELA (Soapdish, 1991, Paramount Pictures, 97min) Direção: Michael Hoffman. Roteiro: Robert Harling, estória de Robert Harling, Andrew Bergman. Fotografia: Ueli Steiger. Montagem: Garth Craven. Música: Alan Silvestri. Figurino: Nolan Miller. Direção de arte/cenários: Eugenio Zanetti/Lee Poli. Produção executiva: Herert Ross. Produção: Alan Greisman, Aaron Spelling. Elenco: Sally Field, Kevin Kline, Whoopi Goldberg, Elisabeth Shue, Robert Downey Jr,, Cathy Moriarty, Gary Marshall, Teri Hatcher, Kathy Namiji. Estreia: 31/5/91
Ao contrário do que acontece no Brasil, onde gozam de relativo prestígio junto ao público e à crítica, as telenovelas produzidas nos EUA não são exatamente um veículo nobre para atores. Normalmente apresentadas no horário vespertino, as novelas norte-americanas (ao contrário das séries, hoje alçadas a filé mignon das emissoras) frequentemente apelam para tramas rocambolescas e inverossímeis, anos e mais anos de duração e um tom que raramente escapa do dramalhão mais cafona. A julgar pela comédia "Segredos de uma novela", seus bastidores também não são nada tranquilos: exageros cômicos à parte, o filme de Michael Hoffman - que posteriormente assinaria o romântico "Um dia especial" (1996), o shakespereano "Sonho de uma noite de verão" (1999) e o subestimado "A última estação" (2009) - retrata o dia-a-dia da produção de uma dessas novelas tão populares quanto inacreditáveis de forma ao mesmo tempo debochada e carinhosa. Co-produzido por Aaron Spelling - ele mesmo vindo do mundo da televisão, onde produziu sucessos como "As panteras" e "Barrados no baile" - e estrelado por um elenco de sonhos, "Segredos de uma novela" diverte enquanto dura, mas, assim como os produtos que critica, é provável que desapareça da memória do espectador tão logo acabe sua sessão.
Longe de querer ser a obra definitiva sobre o assunto - soa bem mais como uma descompromissada sessão da tarde do que um tratado a respeito de teledramaturgia popular -, o filme de Hoffman brinca com as percepções do público a respeito de astros, estrelas, roteiristas e produtores sem preocupar-se com a fidelidade absoluta - e acerta em cheio ao utilizar-se de metalinguagem como forma de enfatizar os absurdos que circundam a criação de uma obra aberta. Ao criticar as reviravoltas que abundam nas produções televisivas, o roteiro também faz uso delas para efeito histriônico: na trama criada pelo dramaturgo Robert Harling e desenvolvida por ele e Andrew Bergman, há espaço para romances interrompidos, maternidades escondidas, traições e sexualidades duvidosas - tudo revelado ao vivo, diante de um público ávido por ser surpreendido a cada capítulo.
A protagonista do filme é Celeste Talbert (Sally Field, estrela absoluta da telenovela "The sun also sets", no ar há anos com espantosos índices de audiência e prêmios acumulados pela crítica. Idolatrada pelos fãs, Talbert parece estar entrando em seu inferno astral: abandonada pelo marido, ela ainda precisa lidar com a velada perseguição do jovem produtor David Barnes (Robert Downey Jr.), que seduzido pela promessa de uma noite de amor com a ambiciosa Montana Moorehead (Cathy Moriarty), procura um jeito de aumentar seu papel na novela mesmo ameaçando sua coerência interna. Protegida pela roteirista principal, Rose Schwartz (Whoopi Goldberg), Talbert tenta não se deixar abater pela crise, mas vê as coisas se complicarem ainda mais quando, para seu desespero, seu antigo amante, Jeffrey Anderson (Kevin Kline), volta à cena como seu novo par romântico, o que traz à luz um passado traumático e um segredo que pode abalar sua popularidade. Não bastasse tudo isso, ela começa a sentir o peso da idade, principalmente quando sua sobrinha, Lori Craven (Elisabeth Shue), passa a disputar com ela, involuntariamente, o posto de atriz preferida pelas plateias, e ilustrar capas de revistas.
Criada por Robert Harling durante os bastidores das filmagens de "Flores de aço" - baseado em uma peça de sua autoria, e estrelado por Sally Field em 1989 -, a trama de "Segredos de uma novela" foi desenvolvida pelo próprio Harling e pelo roteirista/cineasta Andrew Bergman, que poucos anos depois cometeria o infame "Striptease" (1996), com Demi Moore. Brincando com os excessos dramáticos atrelados às produções televisivas (onde parece não haver limites para a falta de verossimilhança), eles não hesitam em forçar situações que, por um lado refletem o tom do gênero, e por outro fazem rir desse mesmo tom. Field, ela mesma um ícone da televisão norte-americana dos anos 1960, com "A noviça voadora" e figurinha fácil nas telinhas nas últimas décadas, com participações em "Plantão médico" e papel central em "Brothers and sisters", está precisa em seu timing cômico, e encontra em Kevin Kline o parceiro ideal: seu Jeffrey Anderson é o retrato perfeito do ator de teatro respeitado (mas sem sucesso popular) que encontra na teledramaturgia barata a forma de sobreviver de sua arte. A presença de Kline, um dos grandes e mais subestimados atores de Hollywood, não apenas valoriza o filme de Hoffman, mas acrescenta sabor aos bastidores em si - não fosse ele a interpretar Anderson o papel poderia ter ficado com Burt Reynolds, que, por coincidência ou não, é ex-namorado da própria Sally Field. Uma ironia que seria bem-vinda ao propósito da produção - mas que não aconteceu por receio do próprio Reynolds.
A energia caótica de "Segredos de uma novela" é um trunfo: reuniões de diretoria - com ideias absurdas jorrando de mentes mais interessadas em índices de audiência do que integridade artística -, intrigas rocambolescas, ressentimentos pouco disfarçados e a fogueira das vaidades queimando tudo à sua volta fazem da produção um entretenimento cujo teor narcisista é facilmente perdoável. Mesmo que o roteiro por vezes exagere na superficialidade - o que talvez seja uma crítica a mais à indústria - e não permita que parte do elenco tenha seu potencial explorado a contento - caso de Robert Downey Jr., Elisabeth Shue e até mesmo Whoopi Goldberg -, o saldo final é no mínimo agradável. Rindo do que acontece por trás das câmeras de um programa de televisão, o filme acaba, de certa forma, homenageando sua capacidade de reinvenção e perenidade junto ao público. A sensação de assistí-lo é, de certa forma, a mesma de tomar um café da tarde junto a seus personagens mais queridos - e suas idiossincrasias mais extraordinárias.
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