AS CRIATURAS ATRÁS DAS PAREDES (The people under the stairs, 1991, Universal Pictures, 102min) Direção e roteiro: Wes Craven. Fotografia: Sandi Sissel. Montagem: James Coblentz. Música: Don Peake. Figurino: Ileane Meltzer. Direção de arte/cenários: Bryan Jones/Molly Flanegin. Produção executiva: Wes Craven, Shep Gordon. Produção: Stuart M. Besser, Marianne Maddalena. Elenco: Brandon Adams, Ving Rhames, Everett McGill, Wendy Robie, A. J. Langer, Sean Whalen. Estreia: 01/11/91
Tudo começou no final dos anos 1970, quando Wes Craven ainda não era o cineasta consagrado por "A hora do pesadelo" (1984) mas já tinha no currículo "Aniversário maldito" (1972) e "Quadrilha de sádicos" (1977): uma matéria publicada em um jornal da Califórnia falava sobre o caso bizarro e assustador de vários adolescentes mantidos em cativeiro por seus pais, que nunca permitiram que eles tivessem acesso ao mundo exterior. Seus pais, considerados cidadãos normais da classe média de Los Angeles, nunca haviam despertado qualquer tipo de suspeita entre sua vizinhança até que, chamada para atender uma ocorrência de possível invasão, a polícia descobriu um assustador caso de cárcere privado. Impressionado com a história, Craven imediatamente dedicou-se a escrever um argumento de 80 páginas. Mais de dez anos depois, já navegando nos louros do merecido sucesso de seu Freddy Krueger, Craven transformou tal sinopse em um filme que, apesar de não compartilhar da mesma popularidade de seus trabalhos anteriores - e os posteriores exemplares da série "Pânico" - conquistou seus fãs com uma narrativa surpreendente e ousada, com um protagonista inusitado e momentos de legítimo suspense.
O personagem principal de "As criaturas atrás das paredes" é Fool (Brandon Adams), um garoto negro de 13 anos de idade passando pelo pior período de sua curta vida: a mãe está seriamente doente a ponto de não conseguir sequer levantar da cama e sua família tem os dias contados para pagar os alugueis atrasados caso não queiram ser despejados pelo cruel proprietário de seu apartamento (Everett McGill). Sem encontrar saída para resolver ao menos o problema financeiro que o assombra, Fool se deixa levar pela conversa de LeRoy (Ving Rhames), namorado de sua irmã. Segundo ele, o proprietário de seu apartamento tem escondido, em sua casa, um grande tesouro em moedas de ouro, o que poderia ser muito útil em sua difícil situação. Certo de que ajudar LeRoy a invadir a propriedade de seu insensível senhorio é o melhor a fazer, o menino concorda em participar de um ousado plano que os colocará diante da solução de seus problemas. Logo depois de entrar na casa, porém, Fool percebe que está muito encrencado. Além de maltratarem sua filha adolescente, Alice (A. J. Langer), o senhorio e sua cruel esposa (Wendy Robie), mantém presos, dentro das paredes da propriedade, um grupo de adolescentes, crianças e jovens - todos aprisionados depois de não seguirem os desejos doentios de seus raptores.
Realizado em 1991, quando Craven já praticamente não tinha mais o controle criativo de seu personagem mais famoso, "As criaturas atrás das paredes" mostrou que seu talento em surpreender a audiência se mantinha absolutamente intocado: sem abrir mão de sustos e personagens bizarros, o cineasta conduz o espectador em uma experiência das mais satisfatórias no gênero. Tudo graças a um roteiro que vai introduzindo seus elementos aos poucos, com uma atmosfera claustrofóbica cada vez mais densa e um par de vilões dos mais empolgantes, interpretados por Everett McGill e Wendy Robie, também casados na série "Twin Peaks". Ainda que ocasionalmente caricata - em uma escolha artística acertada -, a dupla de criminosos (cujos nomes jamais são citados em cena, já que se chamam por Pai e Mãe) é um dos trunfos do filme: cruéis e desumanos, sim, mas dotados de uma quase inabilidade em lidar com oponentes inesperados, como Fool e seus comparsas. Aliás, não deixa de ser irônico que todos os adultos do filme sejam facilmente suplantados pelas crianças e adolescentes que os confrontam: não é LeRoy nem seu comparsa que ameaçam a rotina de crimes da mansão, mas sim o pequeno Fool, a sofrida Alice e as tais criaturas atrás das paredes - bem caracterizadas mas nunca excessivamente assustadoras, já que se tornam, no decorrer da sessão, os heróis da história.
É surpreendente como Wes Craven consegue, em "As criaturas atrás das paredes", manter a atenção do espectador mesmo depois de um pretenso clímax no meio do filme - ao invés de perder o ritmo, a produção parece iniciar um novo e ainda mais violento capítulo. Sem apelar para sangue aos borbotões - ainda que não fuja de sequências bem gráficas - e confiando na empatia da plateia em relação a Fool e seus aliados, o diretor comprova que nem sempre é preciso ter grandes astros estampando os cartazes para levar público às salas de exibição. Sem nenhum ator conhecido no elenco, seu filme, que custou exíguos 6 milhões de dólares, recuperou o orçamento em poucos dias de exibição e ultrapassou a marca de 30 milhões de arrecadação mundial. Apostando em protagonistas negros (o jovem Brandon Adams fez parte do musical "Moonwalker", de Michael Jackson, e Ving Rhames poucos anos depois ganharia o mundo como o vilão Marcellus Wallace, de "Pulp fiction: tempo de violência") e em uma trama que poderia facilmente descambar para o grotesco, Craven acabou por abrir caminho para, em 1994, retomar as rédeas de sua mais famosa criação, em "O novo pesadelo: o retorno de Freddy Krueger".
Tornado cult movie por excelência, "As criaturas atrás das paredes" parecia morar no coração de Craven: antes de sua morte, em 2015, ele estava por trás da produção de um remake televisivo do filme, a ser transmitido pelo SyFy Channel e dirigido por F. Javier Gutiérrez, projeto que não parece ter ido para a frente depois de sua partida.
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