sexta-feira

OS TRADUTORES


OS TRADUTORES (Les traducteurs, 2019, Trésor Films/Mars Films/France 2 Cinéma, 105min) Direção: Régis Roinsard. Roteiro: Régis Roinsard, Daniel Presley, Romin Compingt. Fotografia: Guillaume Schiffman. Montagem: Loic Lallemand. Música: Jun Miyake. Figurino: Emmanuelle Youchnovski. Direção de arte/cenários: Sylvie Olivé/Julien Tesseraud, Félix Guittet, Prune Lacroix. Produção: Alain Attal. Elenco: Lambert Wilson, Olga Kurylenko, Riccardo Scamarcio, Eduardo Noriega, Sidse Babett Knudsen, Alex Lawther, Anna Maria Sturm, Frédéric Chau, Maria Leite, Manolis Mavromatakis, Sara Giraudeau, Patrick Bauchau. Estreia:23/11/2019 (Festival de Francouzskych)

Se estivesse viva e fosse roteirista de cinema, certamente Agatha Christie estaria por trás de produções como "Os tradutores". Perceptivelmente calcado no estilo da escritora inglesa em criar seus mistérios, o filme franco-belga do diretor Régis Roinsard apresenta ao espectador uma trama repleta de reviravoltas, meias-verdades e personagens dúbios, em um entretenimento de visual atraente e - por que não?? - um interessante subtexto que questiona o mercado editorial e a prostituição da arte. Com um elenco internacional que conta com nomes conhecidos dos cinéfilos mais antenados - como o italiano Riccardo Scamarcio, o espanhol Eduardo Noriega, a ucraniana Olga Kurylenko e o francês Lambert Wilson - e referências culturais que remetem a obras universalmente reconhecíveis, "Os tradutores" é uma bela surpresa, uma mescla empolgante entre cinema e literatura que jamais se mostra pretensiosa e/ou hermética. De quebra, é uma homenagem aos profissionais da tradução, frequentemente relegados a segundo plano na indústria literária.

Na trama criada pelos roteiristas, o terceiro capítulo de "Dédalus" uma trilogia de vendagem avassaladora escrita por um recluso autor de nome Oscar Brach está para ser publicada. Em uma estratégia de marketing ousada, a editora, comandada pelo ambicioso Eric Angstrom (Lambert Wilson), resolve fazer um lançamento mundial, com tradução simultânea para vários idiomas - e assim evitar a pirataria, que ele considera a maior ameaça ao mercado. Para isso, ele contrata nove tradutores de lugares distintos do mundo para uma missão absolutamente secreta em um bunker localizado em um luxuoso castelo da França. O que poderia parecer o emprego dos sonhos na verdade é quase uma prisão: sem acesso a Internet e celular e sem contato com o mundo exterior, os escolhidos terão um período de trabalho árduo que nem mesmo o conforto é capaz de atenuar. Para piorar, depois de algum tempo de isolamento, as dez primeiras páginas do livro surgem online e um hacker exige uma fortuna para não prosseguir as publicações. Furioso e apavorado com a possibilidade de perder sua galinha dos ovos de ouro, Angstrom inicia então uma caçada ao responsável pelo vazamento - se utilizando de meios nem sempre éticos ou dentro da lei.

 

Servindo-se de idas e vindas no tempo, em uma edição que por vezes soa um tanto confusa mas que se justifica nos momentos finais, "Os tradutores" envolve o espectador em um redemoinho de traições, mentiras e pistas falsas que, conforme o andamento da projeção, vão se demonstrando cruciais para a verdade sobre o caso. Fugindo do clichê dos longos discursos e das revelações catárticas que frequentemente minam a credibilidade das produções hollywoodianas, os roteiristas optam, acertadamente, em resolver gradativamente as questões que levantam - um artifício que mostra sua inteligência quando tais resoluções apontam para outras perguntas talvez ainda mais intrigantes. Aos poucos a pergunta sobre quem é o hacker vai abrindo espaço para outras: quem é Oscar Brach? Qual a relação dele com Angstrom? Quem está na cadeia e por quê? E o que o passado de um determinado personagem tem a ver com a situação do momento - se é que tem? Mais do que simplesmente jogar indagações a esmo, o roteiro tenta organizá-las de forma a prender a atenção do público e buscar uma coerência interna satisfatória. Nem sempre consegue, mas o faz na maioria esmagadora do tempo, e ainda conta com um elenco de excelentes atores.

Mesmo que nem todos sejam explorados como poderiam, os atores que forspensmam o elenco de "Os tradutores" são um capítulo à parte. O italiano Riccardo Scamarcio, considerado um os mais promissores galãs do país, tem no currículo a ótima comédia "O primeiro que disse" (2010) - que deu origem ao execrável remake brasileiro "Quem vai ficar com Mário?"; o espanhol Eduardo Noriega é o protagonista de "Preso na escuridão" (1997), de Alejandro Amenábar, e "Plata quemada" (2000), de Marcelo Pinyero; Lambert Wilson é conhecido como Merovingian  de "Matrix Reloaded" (2003); Olga Kurylenko foi bondgirl em "007: Quantum of Solace" (2008) e o jovem Alex Lawther esteve no elenco de "O último duelo", de Ridley Scott e "A crônica francesa", de Wes Anderson, ambos lançados em 2021. Ao lado de outros intérpretes nem tão conhecidos mas igualmente talentosos, eles oferecem à plateia um quebra-cabeças envolvente que não hesita em homenagear explicitamente sua maior fonte de inspiração (Agatha Christie, quem mais?) em uma referência direta e carinhosa. Um filme sem contraindicações a quem busca diversão inteligente.

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