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DE-LOVELY: VIDA E AMORES DE COLE PORTER


DE-LOVELY: VIDA E AMORES DE COLE PORTER (De-lovely, 2004, MGM Pictures, 125min) Direão: Irwin Winkler. Roteiro: Jay Cocks. Fotografia: Tony Piece-Roberts. Montagem: Julie Monroe. Figurino: Janty Yates. Direção de arte/cenários: Eve Stewart/John Bush. Produção executiva: Simon Channing Williams, Gail Egan. Produção: Rob Cowan, Charles Winkler, Irwin Winkler. Elenco: Kevin Line, Ashley Judd, Jonathan Pryce, Kevin McNally, Sandra Nelson, Allan Corduner, Kevin McKidd. Estreia: 22/5/2004 (Festival de Cannes)

Um dos mais influentes compositores populares dos EUA, Cole Porter deixou sua marca indelével de elegância e inteligência em centenas de canções antológicas, que ultrapassaram os limites dos palcos da Broadway, dos estúdios de Hollywood e de gravações clássicas de nomes como Frank Sinatra, Bing Crosby e Gene Kelly. Símbolo de um período de glamour que o surgimento de gêneros musicais bem menos sutis fez desaparecer, Porter viu sua vida ser transformada em filme - o romântico e pouco confiável "Canção inesquecível" (1946) - e morreu em 1964 depois de uma série de problemas de saúde e perdas irreparáveis que fizeram de seus últimos anos um período melancólico e pouco produtivo. E levando-se em conta sua importância para a cultura - tanto em termos locais quanto internacionais -, não deixa de ser surpreendente que tenham levado quatro décadas desde sua morte para que finalmente contassem sua história de forma digna. "De-lovely: vida e amores de Cole Porter" pode não ser a obra-prima que poderia, mas é uma produção que faz jus a tudo que seu protagonista representou, representa e representará no futuro, ao aproximar suas inesquecíveis canções do tom de modernidade que sempre foram sua maior característica. Com um Kevin Kline impecável no papel central - a ponto de cantar e dançar sem artifícios baratos -, o filme do bissexto Irwin Winkler (seis filmes em treze anos) é uma ode ao artista e ao homem, recheada de excelentes números musicais e com uma caprichada reconstituição de época.

Contada em formato de musical, como convém, a história de Cole Porter é mostrada, em "De-lovely", em três atos, através de flashbacks, onde o próprio Porter vê sua vida reconstituída enquanto um espetáculo sobre ele é montado sob a supervisão do atencioso Gabe (Jonathan Pryce). O primeiro ato se concentra nos primeiros anos do relacionamento entre o compositor e a socialite Linda Lee Thomas (Ashley Judd) - ela divorciada e presença frequente nas melhores festas da alta sociedade, ele notoriamente homossexual e a alma das recepções, com seu humor afiado e sofisticação à toda prova. Casado e compreendido, Porter se vê encorajado a tornar-se compositor profissional, depois de temporadas em Veneza e Nova York. O segundo ato já lhe mostra bem-sucedido na carreira, criando obras-primas para a Broadway e Hollywood, o que de certa forma aprofunda a crise no casamento - cada vez mais atraído pela boemia e por rapazes, Porter aos poucos passa a abandonar Linda e seu relacionamento mais estável. O terceiro e final ato - mais dramático e trágico - começa com um grave acidente, que irá determinar seus últimos anos de vida, além de reaproximá-lo de sua mulher e fortalecer de vez seus laços afetivos, principalmente quando ela também se descobre gravemente doente.


"De-lovely" é uma produção com inúmeras qualidades. O desenho de produção requintado e o figurino de Janty Yates conduz o público por uma viagem no tempo, pelo glamour das altas rodas da Europa e dos EUA desde o final da década de 1910 até os anos 1960, ocasião da morte de Porter. Os números musicais são preciosos, apresentando artistas contemporâneos como Alanis Morissette, Robbie Williams, Elvis Costelo, Sheryl Crow, Diana Krall, Lara Fabian e Natalie Cole entoando as canções imortais do compositor em sequências organicamente inseridas no contexto onírico criado pelo roteirista Jay Cocks - colaborador frequente de Martin Scorsese. Ashley Judd, apesar de jovem demais para o papel de Linda - na verdade quase uma década mais velha do que Porter -, sai-se muito bem no desafio de encarnar uma mulher à frente do seu tempo, ao mesmo tempo confiante o bastante para encarar um casamento com um homem cuja orientação sexual só poderia lhe trazer sofrimento e romântica o suficiente para acreditar que seu amor poderia evitar tais lágrimas. E Kevin Kline deita e rola em um papel capaz de mostrar à plateia - se é que ela ainda não sabe - todos os seus dotes como ator, cantor e dançarino. Mesmo assim, com tantos elementos admiráveis, algo falta ao filme de Irwin Winkler para torná-lo uma produção inesquecível. E não é difícil perceber o que.

Sem experiência na direção de musicais, Winkler não parece à vontade em comandar um filme do gênero, ficando no meio-termo entre um musical assumido ou um drama biográfico de narrativa clássica.. Logicamente seria inaceitável falar de Cole Porter sem que suas obras atravessassem a tela, e nesse ponto o filme de Winkler é feliz, sabendo espalhar canções pela tela sem deixar o programa cansativo. O problema é que, como frequentemente acontece com filmes que tentam abraçar vidas inteiras em poucas horas, é inevitável que haja falta de profundidade no desenvolvimento dos personagens. Até mesmo a relação entre Cole e Linda deixa dúvidas na mente do espectador - até que ponto a homossexualidade do compositor atrapalhava o casamento, por exemplo? E como ele passou de novato a estrela da Broadway? E como foi sua passagem pelo cinema, já que não é dada muita atenção a essa parte de sua carreira? Como o subtítulo em português deixa claro, o filme se dedica às relações interpessoais do músico - com sua esposa e seus ocasionais amantes -, mas mesmo elas não são desenvolvidas a contento. Resta a excelência visual, o desempenho de Kline e as canções, essas sim eternas.

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