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CORAÇÃO DE CAÇADOR


CORAÇÃO DE CAÇADOR (White hunter, black heart, 1990, Warner Bros, 112min) Direção: Clint Eastwood. Roteiro: Peter Viertel, James Bridges, Burt Kennedy, romance de Peter Viertel. Fotografia: Jack N. Green. Montagem: Joel Cox. Música: Lennie Niehaus. Figurino: John Mollo. Direção de arte/cenários: John Graysmark/Peter Howitt. Produção executiva: David Valdes. Produção: Clint Eastwood. Elenco: Clint Eastwood, Jeff Fahey, George Dzundza, Marisa Berenson, Richard Vanstone. Estreia: 16/5/90 (Festival de Cannes)

Quando Clint Eastwood decidiu realizar a cinebiografia do músico Charlie Parker, poucos levaram fé que o responsável por filmes como "Impacto fulminante" (1983) e "O cavaleiro solitário" (1985) - produções centradas na adrenalina e em personagens durões - seria capaz de transmitir nas telas a complexa personalidade de um dos ícones do jazz. O sucesso de crítica de "Bird" (1988), porém, mostrou que, por trás da figura quase pétrea do cineasta, havia alguém com sensibilidade o bastante para romper a barreira do cinema de ação/policial/guerra. Embalado por tal inesperado prestígio, o já veterano Eastwood (ainda não consagrado com os Oscar de diretor que conquistaria poucos anos depois) chegou à Warner com uma proposta que, a princípio, contemplaria o melhor de dois mundos: ele oferecia seus préstimos para comandar mais um potencial êxito de bilheteria e, em troca, o estúdio bancaria a produção de um de seus então projetos de estimação. Proposta feita, proposta aceita, e em 1990, dois filmes com a assinatura do eterno Dirty Harry chegaram às telas: o convencional e quase derivativo "Rookie: um profissional do perigo" e "Coração de caçador", que se tornaria um dos maiores fracassos comerciais do ator/diretor/produtor - ao mesmo tempo em que arrancaria entusiasmados elogios da crítica. 

Publicado em 1953, o romance "White hunter black heart", de Peter Viertel, é, a rigor, uma obra de ficção. Porém, logo em seu lançamento ficou claro para todos que se tratava de uma reimaginação a respeito dos bastidores das filmagens do clássico "Uma aventura na África", dirigido por John Huston e lançado em 1951. O filme, que deu a Humphrey Bogart seu único Oscar, teve uma produção conturbada, e Viertel, amigo de Huston, foi um de seus roteiristas, ainda que não creditado oficialmente. Testemunha de boa parte dos problemas da realização do filme, escreveu seu livro disfarçando os nomes dos envolvidos e alterando pequenos detalhes - providências insuficientes para evitar que o livro se tornasse quase um relato oficial, apesar dos protestos de gente que esteve no olho do furacão, como a estrela Katharine Hepburn, ela própria autora de um livro sobre o assunto, chamado "The African Queen, or How I went to Africa with Bogie, Bacall and Huston and almost lost my mind". Hepburn questionou boa parte da narrativa de Viertel, mas o fato é que, apesar de sua posição privilegiada junto à equipe, é uma personagem bastante secundária no filme de Eastwood - o foco de "Coração de caçador" é, conforme o título dá uma boa pista, a obsessão de John Huston (ou, em sua versão fictícia, John Wilson) em caçar um elefante durante sua estadia nas locações africanas.

 

A trama do filme se passa em 1951 e começa quando o famoso cineasta John Wilson (interpretado pelo próprio Clint Eastwood, em atuação discreta e com maneirismos imitando o célebre John Huston) convence seu produtor, Paul Landers (George Dzundza), a financiar seu arriscado novo projeto, "The African Trader", escrito por seu amigo Pete Verrill (Jeff Fahey). Apesar de estar afundado em dívidas e ser considerado excêntrico em excesso, Wilson acaba recebendo sinal verde e parte para a África com o roteirista e a equipe. O que ninguém sabe, porém - com exceção de Verrill - é que, mais até do que realizar sua nova obra cinematográfica, o que Wilson realmente deseja é matar um elefante durante um safári. Contando com a ajuda de guias locais, atrasando o cronograma e aproveitando a estação chuvosa como desculpa para o adiamento das filmagens, ele mergulha profundamente em sua obsessão - a ponto de preocupar os colegas e arriscar a própria vida. Enquanto a equipe aguarda o começo dos trabalhos, Wilson lida placidamente com a preocupação de Landers - que chega à locação disposto a forçar o começo dos trabalhos.

Lançado no Festival de Cannes de 1990, "Coração de caçador" agradou à crítica, que viu nele ecos de um Clint Eastwood mais maduro como cineasta, mas naufragou solenemente nas bilheterias. Talvez reflexo de um tema não exatamente popular, seu fracasso comercial não eclipsou, no entanto, as qualidades de seu resultado artístico. Magnificamente fotografado por Jack N. Green - ajudado pelas belas paisagens do Zimbabue - e com uma trilha sonora exuberante de Lennie Niehaus, colaborador frequente de Eastwood antes que ele mesmo passasse a cuidar da música de seus filmes, o 14º longa-metragem do diretor é uma bela homenagem às idiossincrasias do ser humano em geral - Wilson não se preocupava com coisas como ecologia mas não pensa duas vezes em sair no soco com racistas/nazistas e afins - e de John Huston em particular. Mesmo não tendo conhecido o veterano diretor pessoalmente, Eastwood o revive em uma caracterização caprichada, aprovada até mesmo por sua filha, Anjelica, com quem viria a trabalhar em "Dívida de sangue" (2002) - não muito longe do tom durão de seus personagens mais famosos, o diretor/ator/produtor abraça novos horizontes e novos temas em uma carreira que ainda daria muitos frutos e muitos sucessos. 

Em tempo: o filme que Eastwood fez para a Warner como parte do acordo para realização de "Coração de caçador" também não foi propriamente um grande êxito financeiro: "Rookie: um profissional do perigo", estrelado por ele mesmo, Charlie Sheen e Sônia Braga faturou pouco mais de 21 milhões de dólares no mercado doméstico (EUA e Canadá), contra um custo de aproximadamente 30 milhões. Já seu filme seguinte, "Os imperdoáveis" (1992) mudaria sua carreira para sempre, com um estrondoso sucesso comercial e o primeiro Oscar de melhor filme e direção.

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