DESVENTURAS EM SÉRIE (Lemony Snicket's a series of unfortunate events, 2004, Paramount Pictures, 108min) Direção: Brad Silberling. Roteiro: Robert Gordon, romances "The bad beggining", "The reptile room" e "The wide window", de Daniel Handler. Fotografia: Emmanuel Lubezki. Montagem: Michael Kahn. Música: Thomas Newman. Figurino: Colleen Atwood. Direção de arte/cenários: Rick Heinrichs/Cheryl A. Carasik. Produção executiva: Albie Hecht, Julia Pistor, Scott Rudin, Barry Sonnenfeld. Produção: Laurie MacDonald, Walter F. Parkes, Jim Van Wyck. Elenco: Jim Carrey, Meryl Streep, Jude Law, Liam Aiken, Emily Browning, Timothy Spall, Catherine O'Hara, Billy Connolly, Luis Guzman, Jennifer Coolidge, Jane Adams, Cedric The Entertainer. Estreia: 16/12/04
4 indicações ao Oscar: Trilha Sonora Original, Figurino, Direção de Arte/Cenários, Maquiagem
Vencedor do Oscar de Maquiagem
Não é preciso muito tempo de projeção da comédia infantojuvenil "Desventuras em série" para que os desavisados fãs de cinema julguem estar diante de um típico Tim Burton: o humor negro, o tom sinistro, os personagens bizarros e o capricho visual, afinal, são características da filmografia do cineasta que fez do Homem-morcego um negócio dos mais lucrativos para a Warner no final da década de 80. Porém, apesar das semelhanças, a adaptação da obra de Robert Gordon para a as telas não leva a assinatura de Burton - que esteve atrelado ao projeto por um tempo com seu mais constante parceiro artístico Johnny Depp mas depois abandonou o barco - e sim de Brad Silberling, o homem por trás da versão live-action de "Gasparzinho", com Christina Ricci e da reinvenção livre do existencial "Asas do desejo" chamada "Cidade dos anjos", com Meg Ryan. Mesmo não sendo um cineasta cujo nome seja facilmente reconhecível pelas plateias, porém, ele não pode ser responsabilizado pelo relativo fracasso financeiro do filme: mesmo estrelado por um Jim Carrey em momento inspiradíssimo e contando com as luxuosas participações especiais de Meryl Streep e Jude Law, "Desventuras em série" rendeu menos do que o esperado nos EUA - inviabilizando uma esperada sequência - mais por fugir da fórmula das produções insossas e protegidas de qualquer ousadia do que por culpa alheia. Uma injustiça, já que é, de longe, mais divertido e bem realizado do que a maioria dos filmes que tentaram pegar carona na onda de adaptações literárias infantis que virou febre com o sucesso de "Harry Potter".
Adaptando apenas os três primeiros livros de uma extensa série de treze, o filme de Silberling já começa com uma dose de inteligente ironia, quando um inocente desenho animado sobre um elfo feliz é bruscamente interrompido por um narrador chamado Lemony Snicket (pseudônimo do autor Robert Gordon e interpretado nas telas por um Jude Law que aparece apenas nas sombras), que adverte os espectadores que a história que virá a seguir não terá a inocência e a felicidade com que pode estar acostumada a audiência do cinema infantojuvenil. É então que o público começa a acompanhar as tais desventuras em série do título, sofridas pelos três órfãos dos milionários Baudelaires: a criativa Violet (Emily Browning), o inteligente Klaus (Liam Aiken) e a esperta Sunny (as irmãs Kara e Shelby Hoffman), que, mesmo bebê, não fica atrás em termos de vivacidade. De forma inesperada, os três perdem os pais em um incêndio que destroi sua mansão e, de acordo com a lei - na forma do bem-intencionado mas pouco perspicaz Mr. Poe (Timothy Spall) - são obrigados a viver na companhia de um parente próximo, no caso o bizarro Conde Olaf (Jim Carrey), um ator medíocre e ambicioso que mora em uma casa caindo aos pedaços e que vê nas três crianças a sua grande chance de sair da miséria financeira.
Não demora muito, porém, para que as crianças percebam as reais intenções do Conde - que os trata como empregados e deseja matá-los para por as mãos em seu dinheiro - e iniciem uma via-crucis através de outros parentes (honestos mas ingênuos o bastante para cair nas garras do pernicioso vilão): o cientista Monty (Billy Connolly), especialista em répteis, e a tia Josephine (Meryl Streep), uma viúva paranoica que vive em uma casa localizada em um perigoso abismo. Usando e abusando de seus dons histriônicos - e de pesada maquiagem - Olaf penetra invariavelmente em todas as famílias que recebem os jovens, que conseguem sobreviver graças a seu talento em ludibriar o pretensamente esperto artista que tem em seus planos até mesmo um casamento com a pré-adolescente Violet.
Visualmente impressionante, "Desventuras em série" é uma bem-azeitada mistura entre comédia de humor negro e aventura infantojuvenil, capaz de agradar as crianças mais velhas e até mesmo os adultos que se propuserem a entrar sem preconceitos na brincadeira. Jim Carrey foi a escolha perfeita para o papel principal, que lhe dá mil oportunidades para um show à parte, especialmente com a ajuda da maquiagem - premiada com o Oscar - e de coadjuvantes brilhantes, que sustentam seu espetáculo com simpatia e generosidade. Meryl Streep, por exemplo, não precisa de muito tempo em cena para brilhar com sua afável tia Josephine, responsável por algumas das melhores sequências do filme, também admirável por sua estupenda direção de arte, que concorreu ao Oscar e perdeu para um filme mais "sério", a biografia "O aviador", de Martin Scorsese. Seu relativo fracasso de bilheteria - que deixou os espectadores fãs dos livros desolados - não condiz com suas qualidades. É uma deliciosa produção que merecia ter sido melhor recebida pelo público.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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