FILHOS DA ESPERANÇA (Children of men, 2006, Universal Pictures,
109min) Direção: Alfonso Cuarón. Roteiro: Alfonso Cuarón, Timothy J.
Sexton, David Arata, Mark Fergus, Hawk Ostby, romance de P.D. James.
Fotografia: Emmanuel Lubezki. Montagem: Alfonso Cuarón, Alex Rodríguez.
Música: John Tavener. Figurino: Jany Temime. Direção de arte/cenários:
Jim Clay, Geoffrey Kirkland/Jennifer Williams. Produção executiva:
Armyan Bernstein, Thomas A. Bliss. Produção: Marc Abraham, Eric Newman,
Hilary Shor, Iain Smith, Tony Smith. Elenco: Clive Owen, Julianne Moore,
Michael Caine, Chiwetel Ejiofor, Charlie Hunnam, Danny Huston. Estreia:
03/9/06 (Festival de Veneza)
3 indicações ao Oscar: Roteiro Adaptado, Fotografia, Montagem
Inglaterra, novembro de 2027: há dezoito anos sem presenciar o nascimento de um bebê, a humanidade está a um passo da extinção. Na Inglaterra, refugiados são presos, humilhados e mortos na rua, o medo é palavra de ordem, a anarquia encontra bolsões de resistência violenta e grupos terroristas são perseguidos por um governo fascista e impiedoso. No meio do caos, a esperança na forma de uma jovem protegida por um grupo de rebeldes. Com esse tema - triste, tenso, distópico - o mexicano Alfonso Cuarón mostrou à Hollywood que, por trás do diretor de encomenda de filmes como "Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban" e do personalíssimo "E sua mãe também" existia um cineasta de extrema inteligência, sensibilidade e vigor. Adaptado livremente um livro da escritora P.D. James, "Filhos da esperança" é um dos melhores filmes de 2006, embora suas inúmeras qualidades não tenham sido devidamente reconhecidas pelo público na ocasião de sua estreia: com uma bilheteria doméstica que mal chegou a cobrir metade de seu orçamento de 76 milhões de dólares, o filme de Cuarón teve que contentar-se com os elogios unânimes da crítica e três indicações ao Oscar relativamente importantes, entre as quais de roteiro adaptado - que perdeu para o grande vencedor do ano, "Os infiltrados", de Scorsese.
No mesmo ano em que outros dois conterrâneos também tiveram seus trabalhos reconhecidos pelos membros da Academia em maior ou menor grau - Alejandro Gonzalez Iñarritu concorreu ao prêmio de filme e direção por "Babel" (vencedor na categoria de trilha sonora) e Guillermo Del Toro foi lembrado como roteirista de "O labirinto do fauno" (que abocanhou as estatuetas de fotografia, direção de arte e maquiagem) - Cuarón acabou sendo o menos louvado dentre os "estrangeiros", saindo da cerimônia de mãos abanando (situação que ele reverteria sete anos depois quando fez uma limpa com o superestimado "Gravidade"). Tendo em mãos uma história forte e consistente, um elenco de atores acima de qualquer crítica e o rigor técnico que lhe permitiu ao menos três longas sequências de tirar o fôlego - que, ao contrário do que foi difundido por muitos críticos à época NÃO foram realizadas em apenas um único take - o cineasta assinou um filme que, exatamente como ele intencionava, não acaba quando rolam os créditos finais: não apenas deixa alguns de seus protagonistas em meio a uma situação inacabada como permanece na mente do espectador por muito mais tempo do que normalmente acontece com filmes do gênero.
Como dito anteriormente, "Filhos da esperança" começa em 2027, no dia em que a última criança nascida no mundo em 18 anos, o internacionalmente famoso "baby Diego" morre assassinado depois de uma briga em um bar. Sua morte comove o planeta inteiro, já sufocado por décadas de opressão e desespero. É nessa situação que o ex-revolucionário Theo (Clive Owen, brilhante) é procurado por um grupo de rebeldes liderado por sua ex-mulher, Julian (Julianne Moore em participação mais do que especial), que lhe pede ajuda para transportar uma jovem negra, a assustada Kee (Clare-Hope Ashitey), para fora do alcance do governo. Antes que possa explicar toda a situação de Kee ao ex-marido - de quem separou-se após a precoce morte do filho pequeno - Julian sai de cena, deixando nas mãos do cínico e individualista Theo não apenas a segurança da misteriosa garota (que esconde um segredo capaz de alterar o destino do mundo) mas também a chance de salvar o futuro da humanidade. Para isso, ele conta com a ajuda de um antigo amigo, o ex-cartunista político Jasper (Michael Caine, fenomenal), que vive isolado com a esposa catatônica em uma casa escondida nas florestas.
Fotografado com genialidade por Emmanuel Lubezki - que sublinha o clima de pesadelo com uma iluminação cinzenta e claustrofóbica - "Filhos da esperança" não dá tréguas ao espectador, bombardeando-o com um ritmo impecável, que equilibra as tais longas e empolgantes sequências - a saber: o ataque ao carro de Julian e Theo em uma estrada, um ataque terrorista em plena cidade e um (surpresa!) parto - com momentos reflexivos que jamais atrapalham o andamento da história. Clive Owen - que ajudou na confecção do roteiro durante as filmagens mas não foi creditado por suas ideias - segura com desenvoltura um papel que poderia facilmente descambar para o heroísmo vazio do cinema comercial emprestando a ele um viés de melancolia perceptível em seu olhar mesmo quando o foco da cena é a ação ou a violência. Escolha mais do que acertada de Cuarón, ele injustamente ficou de fora da lista dos indicados ao Oscar (poderia facilmente ter substituído Will Smith, que estava apenas correto no frágil "À procura da felicidade"), assim como Caine e Moore, perfeitos em cada entonação e a própria direção, muito mais intensa e criativa do que se poderia desejar em um filme de ação - gênero ao qual, aliás, o filme pertence por mero tecnicismo. No fundo, "Filhos da esperança" é um sensacional drama distópico com elementos de ação e ficção científica dos melhores. Imperdível!
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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