A CONQUISTA DA HONRA (Flags of our fathers, 2006, Warner
Bros/DreamWorks Pictures, 135min) Direção: Clint Eastwood. Roteiro:
William Broyles Jr., Paul Haggis, livro de James Bradley, Ron Powers.
Fotografia: Tom Stern. Montagem: Joel Cox. Música: Clint Eastwood.
Figurino: Deborah Hopper. Direção de arte/cenários: Henry
Bumstead/Richard Goddard. Produção: Clint Eastwood, Robert Lorenz,
Steven Spielberg. Elenco: Ryan Philippe, Jesse Bradford, Adam Beach,
John Benjamin Hickey, Paul Walker, Barry Pepper, John Slattery, Jamie
Bell, Robert Patrick, Melanie Linskey, Neal McDonough, Judith Ivey.
Estreia: 20/10/06
2 indicações ao Oscar: Montagem de Som, Mixagem de Som
Publicado em maio de 2000, o livro "Flags of our fathers", de James Bradley e Ron Powers imediatamente chamou a atenção de um dos monstros sagrados do cinema americano, o eterno cowboy Clint Eastwood, sempre em busca de matéria-prima para seus filmes - de preferência quando existe a possibilidade de transformar as tramas em estatuetas douradas. Para sua decepção, porém, Eastwood descobriu que os direitos de filmagem do livro já não estavam mais disponíveis e estavam já em desenvolvimento sob o comando de outro mago do cinema, Steven Spielberg - que já tinha inclusive contratado roteirista para a adaptação. Mas como nem sempre as coisas caminham rapidamente em Hollywood, Eastwood viu a chance de assumir as rédeas do projeto quando, ao encontrar Spielberg em uma festa pós-Oscar 2004, soube que o autor de "A lista de Schindler" estava insatisfeito com os rumos da produção e em vias de abandonar seus planos de dirigí-la. Surgia, então, uma parceria inédita entre dois dos mais bem-sucedidos cineastas do cinemão americano: com Spielberg na produção e Eastwood na direção, "A conquista da honra" tornou-se metade de um ambicioso projeto do eterno Dirty Harry, que resolveu lançar praticamente ao mesmo tempo, um filme sobre a II Guerra Mundial sob o ponto de vista dos soldados japoneses, chamado "Cartas de Iwo Jima".
Com o enorme sucesso de crítica de "Iwo Jima", que chegou a ser indicado ao Oscar de melhor filme do ano - mas perdeu para "Os infiltrados", de Martin Scorsese - a história dos três jovens soldados que tem suas vidas transformadas quando se tornam ícones da campanha americana no campo de batalha acabou sendo deixada de lado e quase passou em brancas nuvens junto aos eleitores da Academia - aliás, a não ser que meras duas indicações na área de som podem ser consideradas relevantes, na verdade ela FOI sumariamente ignorada. Uma injustiça, já que, além de ser tecnicamente impecável, apresenta a ressonância dramática e sentimental sutil que é a marca registrada de Eastwood em seus melhores momentos - caso de "As pontes de Madison" e "Menina de ouro". Narrado de forma minimalista e delicada, "A conquista da honra" é um dos grandes filmes do cineasta, equilibrando sequências de guerra dirigidas com extrema competência com cenas que exploram de maneira discreta os traumas de um conflito bélico violento e arrasador.
A base do filme é a famosa fotografia tirada em 23 de fevereiro de 1945 por Joe Rosenthal na ilha de Iwo Jima e que mostra seis soldados americanos içando um bandeira dos EUA - uma imagem que, por sua força dramática, acaba sendo usada pelo governo como forma de levantar a moral do povo (combalida por vários anos de guerra) e realçar o heroísmo dos combatentes (muitos deles há muito tempo longe de seus lares). Como sempre acontece em situações como essa, porém, nem sempre a verdade chega inteira até o público: isso fica claro quando três dos jovens fotografados (os três que sobreviveram a várias batalhas posteriores à imagem) são retirados do front para participarem de uma excursão pelo país, com o objetivo de incrementar as vendas dos bônus de guerra. Sendo assim, o enfermeiro John 'Doc' Bradley (Ryan Philippe), o austero Rene Gagnon (Jesse Bradford) e o indígena Ira Hayes (Adam Beach) tornam-se ídolos de todo o país, mesmo escondendo dentro de si segredos e pesadelos que somente aqueles que testemunharam os confrontos são capazes de manter. Além disso, Hayes sente-se discriminado por sua origem indígena e Bradley sente-se profundamente incomodado com tamanha popularidade - fato que, conforme Gagnon irá descobrir bem cedo, não lhes trará a segurança que eles precisam.
Fugindo da tradicional estrutura dos filmes sobre a II Guerra e inserindo flashbacks na narrativa de forma a informar o público sobre os acontecimentos que levaram os protagonistas ao posto de heróis da nação - e frequentemente deixando bem claro que nem sempre a ética e a verdade andam juntas com os interesses da propaganda de guerra - "A conquista da honra" faz parte do conjunto de filmes revisionistas sobre o conflito, substituindo o tradicional orgulho da vitória pelo desconforto a respeito de suas consequências. Para isso, conta com um trabalho inspirado do grande elenco, onde destaca-se o ótimo Adam Beach, que constroi um Ira Hayes complexo e turbulento em seus confrontos pessoais (muitos dos quais advindos do fato de sua origem e do preconceito que ela acarreta em sua vida mesmo depois de sua "consagração" como herói). Até mesmo Ryan Philippe, normalmente um ator apático e sem carisma, consegue uma interpretação satisfatória, o que comprova o talento de Eastwood na direção de atores.
Sem o ranço patriótico que normalmente acompanha os filmes americanos sobre a II Guerra, "A conquista da honra", apesar do título, é um filme melancólico, triste e bem longe de ser uma apologia disfarçada à violência nacionalista. É um dos grandes filmes da carreira de Eastwood, um cineasta de extrema competência - mesmo que muitas vezes não consiga esconder um lado reacionário e conservador em excesso que o faz cometer barbaridades como "Sniper americano".
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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