LONGE DELA (Away from her, 2006, Foundry Films/Capri Releasing,
110min) Direção: Sarah Polley. Roteiro: Sarah Polley, conto "The bear
come over the mountain", de Alice Munro. Fotografia: Luc Montpellier.
Montagem: David Wharnsby. Música: Jonathan Goldsmith. Figurino: Debra
Hanson. Direção de arte/cenários: Kathleen Climie/Mary Kirkland.
Produção executiva: Atom Egoyan, Doug Mankoff. Produção: Daniel Iron,
Simone Urdl, Jennifer Weiss. Elenco: Julie Christie, Gordon Pinsent,
Olympia Dukakis, Michael Murphy, Tom Harvey, Stacey LaBerge. Estreia: 11/9/06 (Festival de Toronto)
2 indicações ao Oscar: Atriz (Julie Christie), Roteiro Adaptado
Em 2001, no voo de volta da Islândia, onde havia acabado de filmar "No such thing", de Hal Hartley, a jovem atriz Sarah Polley - conhecida por filmes como "O doce amanhã" e "Vamos nessa" - deu de cara com o conto "The bear come over the mountain", da escritora Alice Munro e nao pode deixar de imaginar como uma adaptação para o cinema da história poderia ser poderosa, especialmente se o papel principal feminino ficasse nas mãos de Julie Christie, com quem havia acabado de fazer o filme de Hartley. Depois de ver o projeto de seu primeiro filme abortado - a história de uma atriz de doze anos de idade fazendo uma série de televisão - Polley resolveu então recorrer a seu plano B. Roteiro escrito, ela o enviou à Christie, que o recusou por diversas vezes, por mais de um ano até que finalmente dobrou-se à tenacidade da jovem diretora estreante. Surgia assim "Longe dela", um belo e tocante drama sobre o amor, a velhice e a abnegação - que deu a Christie, merecidamente, uma indicação ao Oscar de melhor atriz. Tendo estreado no Festival de Toronto de 2006, porém, o filme só chegou às telas americanas em 2007, o que fez com que a eterna Lara de "Doutor Jivago" batesse de frente com Marion Cottilard em "Piaf, um hino ao amor" - o que acabou com suas chances de vitória. Se tal acontecesse, porém, não seria nada injusto: poucas vezes uma interpretação feminina foi tão sutil e delicada.
Christie - com seus belos olhos azuis e sua beleza plácida em nada prejudicada pelo tempo - faz o papel de Fiona Anderson, uma mulher inteligente e dedicada ao casamento de 44 anos com o professor aposentado Grant (Gordon Pinsent), com quem vive em Ontário, no Canadá. Sem filhos, o casal, ainda apaixonado apesar das crises pelas quais passaram durante essas quatro décadas, se vê, de repente, diante de seu maior desafio: a possibilidade de Fiona ser portadora do mal de Alzheimer, aventada por seus lapsos de memória cada vez mais constantes. A solução encontrada pelos dois, a menos a princípio, é sua internação em um sanatório chamado Meadowlake - um lugar pacífico e agradável onde ela pode conviver com outros pacientes e ser assistida por médicos e enfermeiros especializados. O problema maior do hospital, no entanto, é a regra de manter os pacientes sem visitas durante seus primeiros trinta dias, como forma de facilitar a adaptação. Grant sente-se torturado pela possibilidade, mas quando este período de tempo passa e ele finalmente reencontra a esposa, ela não apenas não o reconhece como o marido de uma vida toda como demonstra um interesse especial por um colega de internação, o também casado Aubrey Barque (Michael Murphy).
Contando sua história fora de ordem cronológica - mas sem os exageros estilísticos com os quais muitos estreantes tentam demonstrar serviço - Sarah Polley demonstra um surpreendente conhecimento da alma humana (especialmente das pessoas de mais idade), desenvolvendo em seus personagens uma profundidade rara (cortesia de sua origem literária, provavelmente). Muitas vezes abdicando dos diálogos e deixando que seus atores (sensacionais) falem mais com os olhos, ela exige do espectador uma sensibilidade quase feminina, desenhada em pequenos gestos e em uma tristeza pungente, que atravessa todo o filme, sublinhada pela trilha sonora minimalista de Jonathan Goldsmith e pela fotografia elegante de Luc Montpellier, que tira proveito da branquidão da neve canadense para enfatizar a solidão dos protagonistas - como se dentro deles também houvesse uma geleira intransponível que só pode ser derretida com o amor e o calor humano, por mais doloroso que ele possa soar.
Em seu terço final, quando fica claro ao espectador a razão pela qual Grant procura a esposa de Aubrey, a conformada Marion (Olympia Dukakis, sempre ótima), "Longe dela" cresce ainda mais. Ousando em um desfecho pouco comum - que consegue ser ao mesmo tempo feliz e extremamente melancólico - Polley desconstroi de forma tênue mas firme as convenções a respeito de casamento, fidelidade e generosidade, entregando ao público uma história forte e comovente a respeito do poder do amor e da lealdade. Amparado por uma atuação monstruosa de Julie Christie e pela força silenciosa de Gordon Pinchent - que perdeu a esposa em janeiro de 2007, quatro meses depois da estreia do filme - "Longe dela" é de deixar o coração apertado, mas aquecido. Uma estreia das mais auspiciosas.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
quarta-feira
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