O PAGAMENTO FINAL (Carlito's way, 1993, Universal Pictures, 144min) Direção: Brian DePalma. Roteiro: David Koepp, romances "Carlito's way" e "After Hours", de Edwin Torres. Fotografia: Stephen H. Burum. Montagem: Kristina Boden, Bill Pankow. Música: Patrick Doyle. Figurino: Aude Bronson-Howard. Direção de arte/cenários: Richard Sylbert/Leslie A. Pope. Casting: Bonnie Timmermann. Produção executiva: Ortwin Freyermuth, Louis A. Stroller. Produção: Willi Baer, Martin Bregman, Michael S. Bregman. Elenco: Al Pacino, Penelope Ann Miller, Sean Penn, John Leguizamo, Viggo Mortensen, Luis Guzman, James Rebhorn. Estreia: 10/11/93
2 indicações ao Golden Globe: Ator Coadjuvante (Sean Penn), Atriz Coadjuvante (Penelope Ann Miller)
Dez anos separam "Scarface" de "O pagamento final". Nesse meio-tempo, Brian DePalma conheceu a frieza da crítica com os fracassados "A fogueira das vaidades" e "Síndrome de Caim", enquanto Al Pacino se afastava do cinema e retornava em grande estilo, chegando a ganhar seu merecido Oscar, por "Perfume de mulher". O reencontro de diretor e ator não poderia ter chegado em melhor hora. E não poderia ter sido mais bem-sucedido. Ainda que a bilheteria não tenha correspondido à altura, "O pagamento final" é um dos melhores policiais dos anos 90. Novamente reunidos pelo produtor Martin Bregman, DePalma e Pacino demonstram uma maturidade muito bem-vinda ao contar uma trágica história sobre a força do ambiente sobre os indivíduos.
Baseado em dois romances do Juiz Edwin Torres - que os escreveu inspirado em suas lembranças do Brooklyn nova-iorquino - "O pagamento final" começa em 1975, quando o porto-riquenho Carlito Brigante (Al Pacino, excelente) é libertado da cadeia depois de manobras de seu ambicioso advogado David Kleinfeld (um irreconhecível e estupendo Sean Penn). Poupado de permanecer 15 anos preso, Brigante deve sua liberdade ao jovem e um tanto corrupto advogado, mas ao voltar às ruas onde cresceu, decide afastar-se da vida do crime. Assumindo a sociedade de uma boate, ele resiste bravamente a todas as ofertas de negócios escusos, dedicando-se a guardar dinheiro suficiente para ir embora para um paraíso tropical ao lado da mulher que ama, a dançarina Gail (Penelope Ann Miller). Porém, quando, por dívida moral, ele aceita ajudar Kleinfeld em uma manobra perigosa para tirar um assassino da cadeia, ele vê todo seu esforço em seguir uma vida honesta correr sérios riscos. Traído por todos em quem confia, só resta a ele mais uma vez apelar para a violência.
O Carlito Brigante criado por Al Pacino tem ecos gritantes com seu Michael Corleone. Ambos sofrem de paranoia justificada - assim como Tony Montana, de "Scarface" - e ambos tentam infrutiveramente escapar de um destino trágico e sangrento. Mas enquanto Corleone jamais suja suas mãos, Brigante vai à luta por si mesmo, empunhando armas e literalmente correndo para sobreviver. Enquanto Corleone tem poderes que se estendem ao Vaticano e a Wall Street, Brigante esconde seu suado dinheiro em um cofre da boate que comanda. Enquanto Corleone é incapaz de amar verdadeiramente uma mulher, Brigante é apaixonado por Gail acima de tudo. E mais importante: enquanto Michael Corleone sabe muito bem com quem está lidando, Brigante tem - apesar de sua malandragem de calçada - uma certa ingenuidade e um rígido padrão ético, apesar disso não o impedir de vingar-se quando estritamente necessário.
Menos propenso a movimentos mirabolantes de câmera - que fizeram sua fama no início da carreira - DePalma orquestra, em "O pagamento final" uma de suas mais afinadas sinfonias. Inteligentemente, o cineasta proporciona pequenas doses de suspense no decorrer do filme - o primeiro tiroteio é um exemplo bem acabado dessa afirmação - enquanto acompanha sem pressa o caminho do protagonista a seu destino. Nesse caminho, Carlito Brigante trava contato com antigos comparsas (um deles vivido por Viggo Mortensen em início de carreira), pequenos contraventores e ambiciosos criminosos (entre eles, o sinistro "Benny Blanco, from the Bronx", interpretado magistralmente por John Leguizamo). Nenhum deles, no entanto, mais perigoso do que seu advogado de confiança.
Personificado com maestria por um Sean Penn começando uma caminhada rumo ao respeito absoluto da crítica e do público, David Kleinfeld é uma das personagens mais fascinantes do filme - repleto de bons papéis. Viciado em cocaína, corrupto, covarde e sem o menor senso de ética ou moral, ele não é exatamente um retrato agradável da profissão de advogado, mas na pele de Penn é impossível não ter compaixão em seus momentos de puro desespero. Fisicamente irreconhecível, o ator - injustamente esquecido pelo Oscar de coadjuvante - tem a personagem que move o filme, empurrando todo mundo em direção ao clímax espetacular imaginado pelo roteiro de David Koepp e filmado com precisão cirúrgica por De Palma.
Assim como "Os intocáveis" tem no tiroteio na estação de trens sua sequência mais lembrada e comemorada - aliás, chupada do clássico "Encouraçado Potenkim", de Sergei Eisenstein - os vinte minutos finais de "O pagamento final" são de figurar em qualquer antologia de cinema. Fugindo dos mafiosos que querem sua cabeça - por motivos que não convém contar para não estragar o prazer de quem ainda (imperdoavelmente) não assistiu ao filme - Brigante foge em direção à estação central de NY para embarcar com Gail em uma viagem sem volta. Sua fuga - tensa, angustiante e magnificamente editada - mantém o espectador grudado na poltrona até seus últimos momentos, quando tudo faz um sentido avassalador.
"O pagamento final" é um filme que merece ser redescoberto. Maltratado pela crítica à época de sua estreia, se mantém com um frescor e uma força até os dias de hoje, além de contar com um Al Pacino no auge de sua forma como ator e personalidade. E, por mais intenso que "Scarface" seja, ele consegue ser ainda melhor.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
quarta-feira
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4 comentários:
meu filme favorito, desde aquela noite de domingo de carnaval de 1994 em q eu o assisti pela primeira vez no falecido cine Baltimore. aliás, assisto pouco, porque cada vez descubro tantas camadas a mais no filme q ele só melhora; daqui a pouco não tenho mais pra onde ir, porque ele já está se aproximando da perfeição nas repetições.
adorei ver esse filme por aqui! (e só descobri q tu tinha blog por causa do teu twitter :))
beijo!
Amo esse filme. Vi apenas duas vezes, a segunda deve fazer uns 8 anos. Mas, tenho em meu acervo.
Os atores estão perfeitos e a trama do filme é muito boa.
Realmente uma injustiça ter sido um filme meio que "desconhecido". uma pequena raridade.
Grande filme, nem eu tinha casado que era o Penn e olha que já ví esse filme algumas vezes em Telecine e afins.
Meu filme favorito. Toda vez que assisto, lágrimas rolam. Sensacional. Identifico-me muito com o Carlito "Charlie" Brigante. É como se tudo que acontece com ele estivesse acontecendo comigo mesmo.
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