Acostumado que está a ver a II Guerra Mundial pelos olhos de seus cineastas, o público americano não ficou exatamente empolgado com a recriação do diretor francês Jean-Jacques Annaud de uma parte importante da história do conflito, passada na Rússia. Dono de um orçamento de quase 70 milhões de dólares - o mais caro filme europeu até então - "Círculo de fogo" nem chegou a se pagar no mercado ianque (e foi praticamente ignorado no Festival de Berlim, onde os alemães não gostaram nem um pouco de se verem como os vilões da trama). No entanto, é inegável que é um dos mais excitantes e inteligentes filmes de guerra da história.
A ação se passa em 1942, quando a cidade de Stalingrado é a última resistência contra a invasão nazista. Espertamente sabendo que os cidadãos precisam de um incentivo para continuar sua luta, o jornalista Danilov (Joseph Fiennes) passa a descrever, em seus artigos, os feitos heróicos de seu melhor amigo, o atirador Vassili Zaitsev (Jude Law), que vem matando atiradores nazistas um a um de forma sistemática. Quando a fama de Vassili atinge os ouvidos alemães, eles não demoram a mandar seu melhor artilheiro, o Major Konig (Ed Harris) para detê-lo. Enquanto os dois homens passam a caçar um ao outro, Danilov tenta seduzir a bela Tania (Rachel Weisz), uma ativista militar apaixonada por Vassili.
Ao situar sua trama em um momento crucial da história da II Guerra Mundial, o diretor Annaud e seu co-roteirista Alain Godard teceram um rico painel sobre classes sociais e paixões de vários tipos - pela pátria, pelos amigos, por ideiais. Em suas duas horas de duração o filme conta várias histórias, todas interessantes e muito bem resolvidas. A amizade entre Danilov e Vassili, ameaçada pela paixão de ambos por Tania é a ponta romântica do roteiro (ainda que alguns insistam em ver algo homoerótico na admiração do jornalista pelo atirador). A iminência da invasão da Rússia pelas tropas de Hitler cumpre a parte de ação do projeto. Mas é a disputa de vaidade e idealismo entre Vassili e Konig que leva "Círculo de fogo" - mais um título nacional inexplicável, diga-se de passagem - a um nível de inteligência e qualidade que o separa dos filmes de guerra mais corriqueiros.
O que o roteiro faz, na verdade, é reduzir uma guerra de proporções gigantescas a uma batalha entre dois homens, ambos capazes, talentosos e certos de seus ideais. É uma metáfora talvez óbvia, mas que funciona à perfeição graças aos talentos envolvidos. Com frequentes closes nos olhos azuis de Ed Harris e Jude Law, a fotografia impressionante de Robert Fraisse tem mais sucesso em jogar o espectador dentro do campo de batalha do que os enquadramentos épicos de filmes como "Coração valente" e "Gladiador", competentíssimos mas um tanto quanto distantes dos sentidos do público. No filme de Annaud, a impressão que se tem é que se está ao lado de Vassili em seu jogo de gato e rato com Konig, impressão tornada ainda mais forte devido ao trabalho espetacular dos dois atores, em atuações irretocáveis - que fazem da interpretação rasa de Rachel Weisz ainda mais gritante.
"Círculo de fogo" tem todas as qualidades de um épicp hollywoodiano e consegue fugir com esperteza dos defeitos de seus congêneres. Enxuto (tem pouco mais de duas horas, enquanto a regra do cinema americano para filmes desse porte manda a duração chegar a três), conciso e quase minimalista, é um filme forte e honesto, que merece ser descoberto e louvado como um dos melhores de seu estilo.
4 comentários:
É um filme q gosto muito, principalmente pela atuação de Jude Law e Ed Harris, personagens q se antagonizam, mas tb se admiram.
Gostei do seu espaço, vou te linkar no meu blog. Apareça! Abs
http://umanoem365filmes.blogspot.com/
É um filme que passou várias vezes na tv a cabo e sempre deixei para assistir depois, mesmo gostando do tema e do bom elenco.
Abraço
Lembroo muito pouco dele, mas sei que me prendeu, a atuaçao de Harris e Fiennes me cativou, como sempre - Law sempre chatinho e fraquinho, mas aqui até que convence. Preciso rever, seu texto "refrescou" minha mente quanto à obra! abraço, aparece!
O problema do filme é prestar demasiado serviço à propaganda anti-soviética e anti-russa, mostrando coisas absurdas e totalmente irreais como soldados do exército vermelho sendo mandados pra linha de frente em vagões lacrados. Isso nunca aconteceu, pelo simples fato de que, se os trens fossem bombardeados, todos morreriam imediatamente. Mas como sempre, é preciso mostrar o quanto os russos são maus, seja lá qual for o regime político vigente, seja Stalin e o partido comunista, o Czar, Ielstin ou Putin.
Outra coisa, Kruschev nunca exerceu comando militar em Stalingrado, ele era um comissário político.
Jude Law não teve culpa dos defeitos do filme, que vieram principalmente do roteiro. De resto, ele é um mais desses caras bonitos que Hollywood quis transformar em astro, mas não tiveram alcance de público pra isso.
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