COISAS
BELAS E SUJAS (Pretty dirty things, 2002, BBC Films, 97min) Direção:
Stephen Frears. Roteiro: Steven Knight. Fotografia: Chris Menges.
Montagem: Mick Audsley. Música: Nathan Larson. Figurino: Odile
Dicks-Mireaux. Direção de arte/cenários: Hugo Luczyc-Wyhowski/Linda
Wilson. Produção executiva: Julie Goldstein, Teresa Moneo, Allon Reich,
Tracey Scoffield, Paul Smith, David M. Thompson. Produção: Robert Jones,
Tracey Seaward. Elenco: Chiwetel Ejiofor, Audrey Tautou, Sergi Lopez,
Sophie Okonedo, Benedict Wong, Zlatko Buric. Estreia: 05/09/02 (Festival
de Veneza)
Indicado ao Oscar de Roteiro Original
Duas
chagas da sociedade europeia estão retratadas em "Coisas belas e
sujas", primeiro filme em língua inglesa da atriz Audrey Tautou, a
eterna Amélie Poulain: a imigração ilegal e o mercado negro de órgãos.
Com base em um roteiro esperto e enxuto que acabou sendo indicado ao
Oscar mais de um ano depois de sua estreia no Festival de Veneza de
2002, o diretor inglês Stephen Frears - autor de obras tão diversas como
"Ligações perigosas", "Os imorais", "Herói por acidente" e "O segredo
de Mary Reilly" - construiu um filme instigante, austero e sensível que
equilibra os elementos de um bom thriller com aspectos de denúncia
social, além de uma comovente e discreta história de amor. Equilibrando
sua história entre hotéis de luxo e as sarjetas do submundo ilícito dos
estrangeiros que lutam por uma vida digna longe de seus países de
origem, Frears conta com um fabuloso elenco internacional para dar vida a
um conto muitas vezes cruel, mas dotado de uma ponta de esperança que o
salva de tornar-se mais um petardo doloroso e cínico sobre as mazelas
humanas. Para isso, nada colabora mais do que o rosto angelical de
Tautou, que imprime delicadeza mesmo aos mais pútridos atos.
No
entanto, apesar de ser o rosto de Tautou que enfeita o cartaz, o real
protagonista de "Coisas belas e sujas" é Chiwetel Ejiofor - que
alcançaria fama com sua indicação ao Oscar por "12 anos de escravidão",
mais de uma década depois. Ele interpreta Okwe, um imigrante nigeriano
que trabalha em Londres dirigindo um táxi durante o dia e como
recepcionista de um hotel à noite. No meio-tempo ele dorme (ou tenta
descansar, já que faz uso de ervas medicinais para manter-se acordado
durante o horário comercial) no sofá do apartamento de uma colega, a
turca Senay (Audrey Tautou), que sonha em viajar para Nova York mas
precisa trabalhar sem visto tanto no hotel quanto em uma fábrica de
roupas cujo dono a obriga a favores sexuais a despeito de sua
virgindade. Senay é apaixonada por Okwe, que não percebe tal sentimento e
esconde uma tragédia pessoal em seu passado - além do fato de ser
formado em Medicina em seu país de origem. E é justamente esse detalhe
profissional que irá empurrar o dedicado nigeriano em um pesadelo
kafkiano: ao desentupir o vaso do banheiro de um dos quartos do hotel
onde trabalha, ele encontra um coração humano. Intrigado com tal
acontecimento bizarro - e com a indiferença com que tal é tratado por
seu superior, Juan (Sergi Lopez) - o rapaz passa a investigar e
descobre, para seu choque, um esquema de tráfico de órgãos do qual o
próprio Juan faz parte.
Fotografado
pelo veterano Chris Menges em tons pastel que reforçam o sentimento de
claustrofobia, "Coisas belas e sujas" passa, com elegância, de um drama
sobre os problemas dos imigrantes ilegais, sujeitos a humilhações e
inseguranças constantes, a um suspense concebido com inteligência e
altas doses de melancolia - um detalhe que o distancia de seus
congêneres e o destaca como um dos melhores trabalhos da carreira de
Frears. Substituindo o herói intocável e incorruptível por um ser humano
passível de erros e dilemas éticos, o filme aproxima o espectador de
seus personagens, se esgueirando por seus apartamentos minúsculos, seus
subempregos, seus dramas pessoais e suas soluções frequentemente
equivocadas sem fazer nenhum tipo de julgamento de juízo. Comovendo com a
história de amor delicada entre Okwe e Senay - um romance casto,
ingênuo e repleto de dores e decepções - e surpreendendo com os devios
da trama de suspense - que envolve uma sequência perto do final de
deixar qualquer um tenso na poltrona - o roteiro jamais escorrega na
esquizofrenia, equilibrando com maestria os dois fios narrativos a fim
de encerrá-los com coerência e delicadeza.
Intenso e
bem dirigido, emocionante e interpretado com extrema força, "Coisas
belas e sujas" é um filme subestimado ao extremo. Sua indicação ao Oscar
- perdeu para o sensível "Encontros e desencontros", de Sofia Coppola -
apenas destacou uma de suas inúmeras qualidades, mas a Academia errou
em deixar de fora a direção precisa de Stephen Frears, a fotografia
excelente de Menges, a edição impecável e a atuação de Chiwetel Ejiofor,
que transmite com um único olhar uma variedade insana de sentimentos.
Merece ser descoberto e aplaudido.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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