DO
INFERNO (From hell, 2001, 20th Century Fox, 122min) Direção: Albert
Hughes, Allen Hughes. Roteiro: Terry Hayes, Rafael Yglesias, graphic
novel de Alan Moore, Eddie Campbell. Fotografia: Peter Deming. Montagem:
George Bowers, Dan Lebental. Música: Trevor Jones. Figurino: Kym
Barrett. Direção de arte/cenários: Martin Childs/Jill Quertier. Produção
executiva: Thomas M. Hammell, Albert Hughes, Allen Hughes. Produção:
Jane Hamsher, Don Murphy. Elenco: Johnny Depp, Heather Graham, Ian Holm,
Robbie Coltrane, Ian Richardson, Jason Flemyng, Joanna Page, Mark
Dexter. Estreia: 08/9/01 (Festival de Veneza)
Um
dos personagens mais fascinantes da crônica policial universal - e que
deu origem a livros, filmes, peças de teatro, estudos, teses e todo tipo
de material possível e imaginável - não poderia deixar de ser retratado
em uma das manifestações artísticas mais cultuadas do final do século
XX, as graphic novels. Tendo Jack, o Estripador como personagem
principal - e revelando sua identidade logo nas primeiras páginas, com
base em uma teoria que muitos consideram incorreta e sem sentido - o
livro "Do inferno", escrito e desenhado por Alan Moore e Eddie Campbell
chegou às livrarias em 1991, com mais de 570 páginas recheadas de
informações e detalhes históricos capazes de fazer salivar qualquer
interessado no assunto, por mais cético que seja a respeito de suas
conclusões. Centrando sua trama nos pensamentos de Jack e em suas razões
para assassinar as prostitutas londrinas que frequentavam a zona pobre
da Londres de 1888, o livro parecia um desafio a qualquer roteirista de
cinema, que se veria em maus lençóis para adaptar ao gosto do público
médio uma história tão sangrenta e, pior ainda, sem um herói para se
torcer. No entanto, como a terra do cinema tem seus meios - e um tema
assim não poderia passar em brancas nuvens pelos ambiciosos produtores -
o Festival de Veneza de 2001 serviu de plataforma para o lançamento de
sua versão cinematográfica, dirigida por dois irmãos afro-americanos
(Albert e Allen Hughes) e estrelada por um dos atores mais populares do
cinema americano, Johnny Depp. Não, Depp - queridinho das adolescentes
desde que fazia a telessérie "Anjos da lei" - não interpretava Jack.
Aliás, Jack nem era mais o protagonista da história. Na versão da 20th
Century Fox quem dava as cartas era Frederick Abberline, um dos
inspetores responsáveis pela caça ao serial killer. Coisas de Hollywood.
No
filme dos Irmãos Hughes - estiloso, plasticamente estonteante e
visceralmente violento, ainda que disfarce tal violência com uma
fotografia apropriadamente escurecida - Abberline assume a
protagonização da história, sendo promovido de sua função no livro e
tendo sua personalidade alterada, uma vez que chamou para si
características de outro personagem importante da narrativa literária
(um vidente chamado Robert Lees que foi limado do roteiro final).
Interpretado por Depp, o inspetor ganhou novas nuances (vício em ópio,
por exemplo, o que cai como uma luva na mania do ator em sempre
interpretar excêntricos ou drogados) e até uma insinuação de romance com
a prostituta Mary Kelly (Heather Graham), que, a despeito da descrição
de suas colegas feitas em todo e qualquer artigo escrito sobre o
assunto, é bonita, limpa e jovem. Assumindo o papel que foi oferecido
anteriormente a Daniel Day Lewis, Jude Law, Brad Pitt e até Sean
Connery, Depp oferece ao filme o que a graphic novel não tinha - um
herói com passado dramático com quem o público possa se identificar -
mas tira do projeto o que ele poderia ter de melhor: personalidade.
Ao
optar por um ritmo repleto de camadas que exploravam todas as linhas
investigativas do caso de Jack, os autores da graphic novel criaram uma
obra única e fascinante, mas os fãs do livro tiveram que contentar-se
com uma adaptação narrativa nos moldes clássicos, ou seja, sem maiores
ousadias ou surpresas. Na Londres de 1888, uma série de assassinatos
mexe com a imaginação popular e com a segurança pública: prostitutas
estão sendo violentamente mortas e mutiladas por um criminoso que parece
ter conhecimento de anatomia humana e tem um sombrio senso de humor,
deixando recados à polícia a respeito de seus feitos. Auto-intitulado
Jack, o Estripador, ele acaba por tornar-se a missão do Inspetor
Abberline (Depp) - cujos métodos pouco ortodoxos de investigação incluem
visões promovidas pelo uso constante de ópio. Seguindo as pistas
deixadas pelo psicopata, ele chega até Sir William Gull (Ian Holm),
médico da família real e membro da comunidade maçônica londrina que
aparenta saber muito mais do que deixa antever seu cuidado excessivo com
o jovem príncipe Edward Albert (Mark Dexter) - que mantém uma
misteriosa relação com uma jovem prostituta chamada Ann Crook (Joanna
Page) e pode ser a chave do mistério.
Apesar de diluir
todas as informações da obra original para que elas caibam em um filme
de duas horas e de tirar dela sua essência, a versão para o cinema de
"Do inferno" tem muitas qualidades, especialmente quando o assunto é
visual. A fotografia de Peter Deming e a reconstituição de época que
praticamente esfrega na cara do público a pobreza e a tristeza de um
lado menos turístico de Londres são excepcionais, assim como a noção dos
irmãos Hughes em explorar da melhor maneira possível os detalhes
históricos da trama mesmo que seu desfecho não seja reconhecido como
verdadeiro. Uma adaptação fiel seria genial, mas dentro do cinema
comercial e suas exigências, é um filme policial clássico - com direito
até mesmo a um final açucarado que quase põe tudo a perder e alguns
exageros facilmente perdoáveis - capaz de agradar a quem tem paciência
para produtos com ritmo menos alucinante. E nem Johnny Depp e seus
excessos conseguem estragar o programa.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
quarta-feira
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