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RETRATOS DE UMA OBSESSÃO

RETRATOS DE UMA OBSESSÃO (One hour photo, 2002, Fox Searchlight Pictures, 96min) Direção e roteiro: Mark Romanek. Fotografia: Jeff Cronenweth. Montagem: Jeffrey Ford. Música: Reinhold Heil, Johnny Klimek. Figurino: Arianne Philips. Direção de arte/cenários: Tom Foden/Tessa Posnansky. Produção executiva: Jeremy W. Barber, Robert B. Sturm, John Wells. Produção: Pamela Koffler, Christine Vachon, Stan Wlodkowski. Elenco: Robin Williams, Connie Nielsen, Michael Vartan, Gary Cole, Eriq LaSalle. Estreia: 13/01/02 (Festival de Sundance)

Consagrado como humorista, aclamado como ator dramático e adorado pelas plateias, Robin Wiiliams estava em uma encruzilhada artística no início do século: com dois fracassos seguidos de bilheteria - os tenebrosos "Um sinal de esperança" e "O homem bicentenário" - ele precisava urgentemente reinventar-se como astro de cinema, sob pena de tornar-se mais uma vítima da maldição do Oscar, que havia conquistado como coadjuvante de "Gênio indomável". A forma encontrada para solucionar tal problema acabou por mostrar-se bastante eficiente, se não em termos comerciais ao menos para devolver-lhe o status de bom intérprete: mostrar o lado sombrio de sua alma, em filmes onde pudesse explorar personalidades doentias e/ou perigosas, que contrastavam com o perfil solar e agradável com que vinha brindando a plateia até então. Antes que estreasse "Insônia" - um projeto mais ambicioso, dirigido por um Christopher Nolan pós-"Amnésia" mas ainda pré-"Batman begins" e estrelado pelos também oscarizados Al Pacino e Hilary Swank - ele surgiu irreconhecível e sinistro no suspense "Retratos de uma obsessão", que surpreendeu a audiência do Festival de Sundance e lhe rendeu aplausos entusiasmados.

Escrito e dirigido sem obviedades pelo estreante em longas-metragem Mark Romanek - oriundo do universo do videoclipe, onde assinou trabalhos com Madonna, Michael Jackson, Morrissey e REM, entre outros - o filme foge da violência gratuita e do suspense barato ao criar um universo de rimo próprio e visual asséptico, que reflete a mentalidade vazia e obsessiva de seu protagonista, um vilão atípico, que esconde, por trás de um constante sorriso e de uma gentileza quase exagerada, uma doentia dedicação profissional que só pode terminar em tragédia. O olhar vazio, a delicadeza de gestos e a absoluta falta de senso de humor - ao menos aquele pelo qual ele é conhecido - fazem de Sy Parrish, o personagem interpretado por Williams no filme, o mais angustiante de sua carreira, especialmente porque o roteiro de Romanek não faz dele um super-humano dotado de poderes. Parrish é uma pessoa como outra qualquer, que pode fazer parte da vida de qualquer um mesmo despercebidamente. E é isso que faz dele tão desconfortavelmente real.


No filme de Romanek - que evita sustos constantes e faz uso inteligente da trilha sonora discreta - Sy Parrish é o solícito funcionário de um quiosque de revelação de filmes fotográficos localizado dentro de uma grande loja de departamentos. Solitário e introvertido, ele vive através das fotografias que revela, conhecendo os momentos mais felizes de seus clientes - sua teoria é que ninguém fotografa tristezas, por não querer relembrá-las no futuro. Sua extrema fascinação e dedicação ao trabalho é ainda mais radical quando se trata dos Yorkin, uma família aparentemente perfeita cuja trajetória de felicidade e realizações ele acompanha há quase uma década, com uma fidelidade canina que o faz inclusive decorar a parede de seu apartamento com todas as fotos reveladas pelo casal e seu filho pequeno. Sentindo-se parte integrante da família, Parrish entra em desespero quando descobre que Will (Michael Vartan, apático e quase canastrão) não é o marido perfeito que deveria ser: não só tem uma amante como registra seus momentos românticos com ela - uma espécie de conspurcamento de sua profissão. Enfurecido com a situação, ele toma as dores de sua adorada Nina (Connie Nielsen) e planeja uma vingança inesperada e cruel.

Arquitetando com cuidado cada sequência como forma de preparar um clímax tanto surpreendente - pela ausência de violência física, pela construção gradativa de tensão e pelo inusitado da resolução - quanto angustiante, Mark Romanek acerta em fugir dos clichês do gênero, evitando com maestria seguir os caminhos mais fáceis e preferindo enfatizar as características sinistras de seu protagonista, que encontra o intérprete ideal em Robin Williams. Transmitindo uma sensação de constante perigo através de seus sorrisos, Williams entrega um trabalho que equilibra como poucos em sua carreira o dramático e o assustador - sua aproximação à Nina através de um livro de Deepak Chopra e de seu filho com presentes aparentemente sem segundas intenções apavoram mais do que litros e litros de sangue. No caso do filme de Romanek, menos é mais. E o público que gosta de inteligência quando assiste a um suspense não tem do que se queixar.

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