AMÉM (Amen., 2002, Canal +/K.G. Productions, 132min) Direção:
Costa-Gavras. Roteiro: Costa-Gavras, Jean-Claude Grumberg, peça teatral
"Del stellvertrer", de Rolf Hochhuth. Fotografia: Patrick Blossier.
Montagem: Yannick Kergoat. Música: Armand Amar. Figurino: Edith
Vesperini. Direção de arte/cenários: Ari Hantke/Carmen Pasula. Produção:
Andrei Boncea, Michèle Ray-Gavras. Elenco: Ulrich Tukur, Mathieu
Kassovitz, Ulrich Muhe, Michel Duchaussoay, Ion Caramitru, Marcel Iures.
Estreia: 13/02/02 (Festival de Berlim)
Diretor de alguns dos mais contundentes exemplares do chamado "cinema político" - o que inclui o oscarizado "Z" e o aclamado "Missing, o desaparecido" - o grego Constantin Costa-Gavras foi o cineasta ideal para levar às telas a peça do dramaturgo alemão Rolf Hochhuth, lançada em 1963 já sob a aura da polêmica. Falando sobre um tema ainda fresco e desconfortável - como ainda hoje o é - "Amém" tratava da passividade da Igreja católica diante das atrocidades cometidas contra os judeus nos campos de concentração nazistas durante a II Guerra Mundial. Não foi surpresa, portanto, que o Vaticano tenha fechado suas portas para a realização do filme, que escancara sem pena nem dó os motivos egoístas e ditos diplomáticos da alta cúpula cristã no período em que Hitler esteve no comando alemão. Com uma narrativa direta e sem espaço para sentimentalismos, Costa-Gavras mergulha na consciência de um oficial da SS e no desespero de um jovem padre para contar à plateia uma história de horrores e indiferença, capaz de revoltar ao mais pacato dos espectadores.
A primeira sequência já é Costa-Gavras puro: durante um congresso da ONU em 1936, um jornalista entra sorrateiramente distribuindo panfletos e, antes de tirar a própria vida com um tiro no peito, alerta os presentes sobre os crimes cometidos contra o povo judeu pelo governo alemão. É o ponto de partida para uma trama centrada em dois personagens fortes e determinados o bastante para lutar contra o status quo, mesmo que isso faça deles dois proscritos em suas carreiras. O primeiro a ser apresentado ao público é Kurt Gerstein (Ulrich Tukur), cientista alemão recrutado pela SS como engenheiro sanitarista. À princípio pensando que seu trabalho é purificar a água consumida pelo exército alemão e depois criar um gás que permita exterminar qualquer tipo de animal pestilento dos campos de concentração, ele descobre, transtornado, que seu trabalho está sendo utilizado para matar milhares de judeus que o governo nazista insiste em afirmar que está apenas deslocando para outros países. Determinado a revelar ao mundo a criminosa farsa - por questões éticas e humanistas, já que foi criado como cristão - Gerstein tenta chamar para seu lado os intelectuais e religiosos amigos de sua família, mas percebe que está sendo tratado como traidor. Sua caminhada só encontra apoio em Riccardo Fontana (Mathieu Kassovitz, o galã de "O fabuloso destino de Amélie Poulain"), um padre com relações estreitas com o Vaticano - seu pai é amigo antigo do Papa Pio XII.
Com a entrada de Riccardo em cena, a ação se transfere dos escritórios da SS para os corredores luxuosos do Vaticano e afins. Ciente do genocídio cometido pela Alemanha, ele usa de seu poder em transitar pelos meandros do poder religioso para convencer a todos ao seu redor do tamanho do estrago, sendo sempre repelido, ignorado ou simplesmente ridicularizado. Percebendo chocado que a indiferença da Igreja tem a ver com seus próprios interesses econômicos e políticos, o jovem acaba virando as costas para os dogmas católicos e, munido apenas de sua crença na justiça e nas informações divulgadas a ele por Gerstein - que não hesita em oferecer-se como testemunha ocular caso seja necessário - deixa de lado a teoria e parte para a ação, arriscando a vida para impedir uma desgraça ainda maior junto ao povo judeu. É desnecessário dizer que embarca sozinho nessa perigosa missão.
Tratando o tema com sobriedade e firmeza, Costa-Gavras foge do didatismo e da mesmice dos filmes do gênero ao concentrar seu foco nos dois protagonistas, apenas ocasionalmente virando sua câmera para retratar os horrores dos campos de concentração, tantas vezes já vistos no cinema - é o caso da sufocante sequência em que Gerstein toma conhecimento do mal que sua ciência vem fazendo aos prisioneiros de guerra. Seu filme é feito de diálogos, palavras, sentimentos e frustração, em contraponto a obras que se dedicam a explorar o assunto com imagens brutais ou líricas. Tal opção o afasta dos filmes de guerra convencionais - a guerra é travada dentro da mente dos personagens e em cenários menos amplos do que campos de batalha ou de concentração - e o aproxima do espectador comum, que sente-se uma testemunha privilegiada de um combate histórico e poucas vezes discutido com tanta clareza e coragem. Sem medo de despertar discussões, "Amém" é importante e imprescindível, mesmo que não tenha o mesmo brilhantismo das melhores obras do diretor.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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