EM
CARNE VIVA (In the cut, 2003, Pathe Productions, 119min) Direção: Jane
Campion. Roteiro: Jane Campion, Susanna Moore, romance de Susanna Moore,
colaboração de Stavros Kazantzidis. Fotografia: Dion Beebe. Montagem:
Alexandre De Franchesci. Música: Hilmar Orn Hilmarsson. Figurino:
Beatrix Aruna Pasztor. Direção de arte/cenários: David Brisbin/Andrew
Baseman. Produção executiva: Effie T. Brown, François Ivernel. Produção:
Nicole Kidman, Laurie Parker. Elenco: Meg Ryan, Mark Ruffalo, Jennifer
Jason-Leigh. Estreia: 09/9/03 (Festival de Toronto)
Dentre
as características da filmografia da cineasta australiana Jane Campion,
duas se destacam nitidamente: o ritmo pouco ágil e a naturalidade com
que ela encara a nudez e o sexo. Foi assim, por exemplo, em seu filme
mais famoso, o multi-premiado "O piano", em que Holly Hunter e Harvey
Keitel se envolviam em um romance nos confins da Nova Zelândia no começo
do século XX. Tais características se repetem em "Carne viva", em que
ela mergulha em um gênero inédito em sua carreira (o policial) e volta a
explorar a sexualidade humana, dessa vez sob o véu de uma história
recheada de violência e tensão. Baseada em um romance de Susanna Moore
que desejava filmar desde seu lançamento em 1996, Campion mesclou o
drama psicológico, o romance erótico e o suspense policial do livro em
um filme que, apesar das expectativas, é frustrante nas três frentes:
não é profundo o bastante em seu estudo sobre a psique humana, não
intriga o suficiente em termos de mistério e só não chega a ser
totalmente indiferente no erotismo por explorar, em cenas bastante
ousadas, um lado ainda totalmente desconhecido de uma das atrizes mais
populares dos anos 90, Meg Ryan.
Em um momento crítico
de sua trajetória artística - depois do fracasso de bilheteria de "Prova
de vida" e do fim do casamento com Dennis Quaid, resultado de um
escandaloso romance com seu parceiro de cena Russell Crowe - Ryan
aceitou o papel central de "Em carne viva" como uma forma de mostrar
que, além de ser a rainha das comédias românticas da década anterior,
também era uma atriz capaz de aventurar-se por gêneros e enredos mais
sombrios. Ficando com a protagonização que seria de Nicole Kidman - que
pulou fora por motivos pessoais relacionados a seu divórcio com Tom
Cruise mas manteve-se no cargo de produtora - a estrela de "Harry
& Sally, feitos um para o outro" assumiu a responsabilidade de
romper com a imagem pudica e romântica com que cimentou seu sucesso e,
apesar do fracasso financeiro do filme, mostrou fôlego para uma fase
mais madura na carreira - fase essa que, infelizmente, não vingou,
graças a sucessivos fiascos comerciais.
No
filme de Campion, Ryan interpreta Frannie Avery, uma professora de
literatura que, com o objetivo de escrever um livro sobre as gírias dos
guetos nova-iorquinos, frequenta sem medo bairros, bares e boates pouco
recomendáveis para a segurança. Solteira e atraente, ela acaba se
envolvendo na investigação de um violento assassinato cometido em sua
vizinhança (mais um em um série de homicídios semelhantes) e conhece o
detetive encarregado do caso, Giovanni Malloy (Mark Ruffalo) - que
desconfia que um aluno seu possa ser o culpado. Incentivada por sua
meio-irmã Pauline (Jennifer Jason Leigh), Frannie inicia um intenso caso
sexual com o policial, separado da esposa e pai de dois filhos pequenos
cujo parceiro é tão violento quanto os criminosos que prende pelas
ruas. Porém, apesar de estar extremamente atraída por Malloy, a
professora não consegue entregar-se totalmente ao romance por desconfiar
que ele seja o responsável pelas mortes: em um de seus passeios pelos
bares barra-pesada que frequenta, ela viu a vítima fazendo sexo oral em
seu provável assassino, que tem uma tatuagem idêntica à do investigador.
A
busca pela identidade do assassino é o que menos importa no roteiro,
co-escrito pela diretora e pela autora do livro que deu origem ao filme,
servindo apenas como pano de fundo para um inventário superficial de
paranoias, traumas e neuroses modernas que nem de longe desperta maior
interesse em um público acostumado a consumir tudo isso em produções
menos pedantes e enfadonhas. Em sua tentativa de cercar o filme de uma
atmosfera sombria e claustrofóbica, a cineasta acaba pesando a mão em um
suspense vazio, esquecendo de dar profundidade e clareza a seus
personagens, que parecem jogados na trama, tendo como finalidade apenas
servir como elementos gráficos de suas bem cuidadas cenas, que, justiça
seja feita, são plasticamente interessantíssimas - em especial as
tórridas cenas de sexo entre Meg Ryan e Mark Ruffalo, em um de seus
primeiros papéis principais e já mostrando talento e desinibição de
sobra. Fotografadas com bom gosto e enfatizando a naturalidade do ato,
tais cenas acabam por se tornar a maior qualidade do filme, que de resto
é apenas mais um policial mediano e pretensioso. Tem quem goste, mas
para os demais é apenas chato e metido a profundo.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
terça-feira
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