POR
UM SENTIDO NA VIDA (The good girl, 2002, Fox Searchlight Pictures,
93min) Direção: Miguel Arteta. Roteiro: Mike White. Fotografia: Enrique
Chediak. Montagem: Jeff Betancourt. Música: Tony Maxwell, James O'Brien,
Mark Orton, Joey Waronker. Figurino: Nancy Steiner. Direção de
arte/cenários: Daniel Bradford/Susan Emshwiller. Produção executiva:
Carol Baum, Kirk D'Amico, Philip Von Alvensleben. Produção: Matthew
Greenfield. Elenco: Jennifer Aniston, Jake Gylenhaal, John C. Reilly,
Tim Blake Nelson, John Carroll Lynch, Zooey Deschanel, Mike White.
Estreia: 12/01/02 (Festival de Sundance)
Segundo
consta, antes que começassem as filmagens de "Por um sentido na vida", a
atriz Jennifer Aniston implorou ao diretor Miguel Arteta que a
impedisse de repetir no filme - um drama baixo astral sobre uma mulher
comum tentando dar cor à sua vida medíocre - os trejeitos cômicos que
fizeram dela uma das atrizes mais populares do mundo, graças à série
"Friends". Tentando mais uma vez provar aos críticos e ao público o seu
talento dramático, Aniston não queria que Justine Last, sua personagem
na obra de Arteta, lembrasse em absolutamente nada a avoada e volúvel
Rachel Green. O pedido deu certo: elogiada unanimemente por seu
desempenho, Aniston entregou um dos mais consistentes desempenhos de sua
carreira em um papel denso, complexo e não exatamente simpático, que
mostrou que, por trás de sua beleza, simpatia e do então casamento com
Brad Pitt, existia uma atriz de muitas nuances à espera de serem
exploradas.
Sem o glamour e a produção da série de TV,
Aniston interpreta Justine, uma entediada e frustrada funcionária de um
loja de descontos de uma cidade do interior dos EUA. Casada com o pouco
ambicioso Phil (John C. Reilly), que vive de pintar casas e fumar
maconha ao lado do sócio Bubba (Tim Blake Nelson), ela tem como maior
expectativa de seus dias o momento de finalmente ficar grávida para
injetar emoção em seu dia-a-dia. Esperando pacientemente uma virada em
sua vida, ela conhece o novo colega de trabalho, o jovem Holden Worther
(Jake Gyllenhaal), que deseja tornar-se escritor e mora com os pais
depois de problemas com a justiça. Surge entre eles uma imediata
identificação e não demora para que os dois iniciem uma tórrida relação
proibida, cujas consequências se tornam cada vez mais perigosas e
dramáticas conforme passam a envolver outras pessoas. Apaixonado por
Justine, Holden - que emprestou seu pseudônimo do protagonista do
romance "O apanhador no campo de centeio" - resolve fugir com a mulher
amada, mas as coisas saem do controle quando uma testemunha do romance
ilícito entre eles surge com uma chantagem inesperada que os leva a um
dilema ainda maior.
Com
um ritmo que desafia a velocidade quase histérica do cinema comercial
americano, "Por um sentido na vida" mergulha o espectador dentro da
morosidade e da mediocridade da vida de Justine para que ele consiga,
dentro das possibilidades, compreender as atitudes da protagonista,
frequentemente discutíveis ou pouco éticas. Até mesmo o título original -
"a boa menina" - soa irônico diante do sinuoso caminho escolhido por
ela para atingir seus objetivos nem sempre claros, mais por culpa de sua
imaturidade e de sua insegurança do que por problemas de roteiro,
escrito com uma concisão e uma delicadeza que permitem até mesmo um
final agridoce e melancólico ao invés do previsível clímax melodramático
ou exagerado. É lógico que para isso colabora também mais uma atuação
exemplar de John C. Reilly, sempre eficientíssimo em dar vida a
personagens presos a relacionamentos e vidas simples e pacatas. Seu Phil
é uma vítima inocente do romance extraconjugal da esposa, uma espécie
de Madame Bovary dos subúrbios americanos, que se envolve com uma
encarnação moderna do jovem Werther criado por Goethe e se dirige, sem
freios, a um destino talvez pior do que poderia esperar de sua
existência modorrenta. Tal história é contada com sutileza por Miguel
Arteta, que deixa nas mãos competentes de seu elenco explorar cada
minúcia da personalidade de seus personagens, ricos em camadas a ponto
de surpreender o próprio público com as reviravoltas da trama.
Mas
é inegável que boa parte da força de "Por um sentido na vida" se deve
ao trabalho irretocável de Jennifer Aniston, que deixa a vaidade de lado
e apresenta à plateia um lado poucas vezes explorado anteriormente em
sua carreira. Com um olhar vazio e um postura cansada, ela transmite em
poucos diálogos um turbilhão de sentimentos e toda uma vida de
insucessos que acabam fatalmente a jogá-la nos braços do igualmente
desiludido Holden, que apesar da pouca idade, já acumula experiência o
bastante para enxergar na colega de trabalho sua última chance de
felicidade e realização. O encontro de tais almas - inquietas, sedentas
por emoções, carentes - é o combustível para uma história triste,
melancólica e desesperançosa, mas contada de forma enxuta e extremamente
eficaz. Um pequeno grande filme.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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