CAFÉ DA MANHÃ EM PLUTÃO (Breakfast on Pluto, 2005, Pathé Pictures International, 128min) Direção: Neil Jordan. Roteiro: Neil Jordan, Pat McCabe, romance de Patrick McCabe. Fotografia: Declan Quinn. Montagem: Tony Lawson. Música: Anna Jordan. Figurino: Elmer Ní Mhaoldomhnaigh. Direção de arte/cenários: Tom Conroy/Crispian Sallis, Sara Wan. Produção executiva: François Ivernel, Brendan McCarthy, Cameron McCracken, Mark Woods. Produção: Neil Jordan, Alan Moloney, Stephen Wooley. Elenco: Cillian Murphy, Liam Neeson, Ruth Negga, Stephen Rea, Brendan Gleeson. Estreia: 03/9/2005 (Festival de Telluride)
Em 1993, o cineasta Neil Jordan ganhou o Oscar de roteiro original por "Traídos pelo desejo", uma história de amor fora do comum que surpreendeu plateias pelo mundo todo. Quatro anos mais tarde, viu seu "Michael Collins: o preço da liberdade" dar a Liam Neeson o prêmio de melhor ator no Festival de Berlim - por interpretar ninguém menos que o fundador do IRA, o famigerado Exército Republicano Irlandês que por décadas se manteve nas manchetes internacionais devido a seus atos contra o domínio britânico na ilha. Sendo assim, o espectador que estranhar a união desses dois fatores - o político e o sexual - em "Café da manhã em Plutão", está no mínimo desavisado. Mestre em mesclar temas polêmicos com personagens excêntricos, Jordan encontrou no livro de Patrick McCabe o material ideal para seguir-se ao pouco visto (e pouco lembrado) "Lance de sorte", lançado em 2002: sem pesar a mão no tom político da obra e concentrando seu foco na trajetória de um protagonista sui generis, o diretor/roteirista/produtor comprova seu talento em transitar por diferentes gêneros sem jamais abdicar de suas características artísticas. Sim, "Café da manhã em Plutão" não é apenas um drama político, nem tampouco somente uma produção destinada ao público LGBTQ+: apresenta também elementos de musical, comédia e romance, sempre amparado em uma atuação primorosa de Cillian Murphy.
Indicado ao Golden Globe de melhor ator em comédia/musical e aplaudido unanimemente pela crítica internacional, Murphy encontrou em Patrick Braden o personagem de uma carreira. Adotando um ar ingênuo e doce que contrasta violentamente com os incidentes que atravessam o caminho de seu protagonista, o ator-amuleto de Christopher Nolan foge radicalmente dos clichês que poderiam transformá-lo em caricatura e entrega um desempenho memorável. Desviando habilmente das armadilhas do roteiro, Murphy evita o sentimentalismo (sem evitar mergulhar nos momentos mais comoventes), o exagero (apesar da natureza inerentemente festiva de parte de sua ambientação) e o humor fácil (mesmo nas situações surreais e personagens bizarras criadas por McCabe, ). Comandando um elenco coadjuvante que conta com nomes fortes como Liam Neeson, Stephen Rea, Brendan Gleeson, Ruth Negga (mais de uma década antes de concorrer ao Oscar por "Loving: uma história de amor", de 2016) e Dominic Cooper (em participação não creditada), o protagonista da série "Peaky Blinders" assume sem medo um lado não apenas queer - Patrick Braden, também conhecido como Patricia, não se limita a rótulos simples de gênero e sexualidade, mas jamais deixa de ser crível e apaixonante.
Dividido em 26 capítulos curtos que tornam a narrativa quase episódica, o roteiro de "Café da manhã em Plutão" segue com extrema fidelidade o romance de Patrick McCabe - autor também do livro "Nó na garganta", adaptado pelo mesmo Neil Jordan em 1997. Narrado em primeira pessoa por Patrick, o filme apresenta seu protagonista desde seu nascimento - abandonado na porta de uma igreja sem saber a identidade de seus pais - e segue seu caminho rumo à auto-aceitação ou, na pior das hipóteses, às suas raízes. Rejeitado pela família adotiva que não aceita seus trejeitos e interesses femininos, Patrick encontra abrigo, como era de se esperar, junto aos párias ao seu redor, às pessoas que, assim como ele, se escoram em semelhantes para manter a dignidade e o amor-próprio. Fortalecido pela compreensão de seu novo grupo, ele resolve partir em busca de seus pais e, enquanto acaba se envolvendo em ações do IRA, bandas de rock, prisões inglesas e shows eróticos, descobre sua real identidade: Patricia. Logicamente, enquanto não finaliza sua missão, vai acumulando decepções e encontros fortuitos que desafiam seu otimismo e ingenuidade.
Neil Jordan é um cineasta que sabe explorar dramas humanos - ou nem tão humanos assim, haja visto sua bem-sucedida adaptação do best-seller "Entrevista com o vampiro" (1995) - com elegância e sensibilidade. Aproveitando com maestria o tom irônico e iconoclasta do livro de McCabe, constrói, em "Café da manhã em Plutão", uma obra que flerta ao mesmo tempo com a melancolia e o bom-humor. Trata de temas densos - transexualidade, política, igreja - sem pesar a mão e se imprime à narrativa um ritmo ágil que envolve o espectador sem maiores esforços. Utilizando-se de uma trilha sonora pop de primeira qualidade e elementos lúdicos que surpreendentemente não destoam da atmosfera pretensamente séria (mas nunca aborrecida), Jordan cria uma pequena obra-prima, uma pérola delicada e dotada de um humanismo raro, que conquista pela sinceridade que escorre de cada fotograma e pela interpretação precisa de um Cillian Murphy em dias de inspiração absoluta!
Um comentário:
Fico tão feliz que tu assistiu a esse filme com carinho e gostou! E que gostou da atuação dele tb! Obrigado pelo presente <3
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