A ÉPOCA DA INOCÊNCIA (The age of innocence, 1993, Columbia Pictures, 139min) Direção: Martin Scorsese. Roteiro: Martin Scorsese, Jay Cocks, romance de Edith Wharton. Fotografia: Michael Ballhaus. Montagem: Thelma Schoonmaker. Música: Elmer Bernstein. Figurino: Gabriella Pescucci. Direção de arte/cenários: Dante Ferretti/Robert J. Franco, Amy Marshall. Casting: Ellen Lewis. Produção: Barbara De Fina. Elenco: Daniel Day-Lewis, Michelle Pfeiffer, Winona Ryder, Alexis Smith, Jonathan Pryce, Geraldine Chaplin, Robert Sean Leonard, Joanne Woodward. Estreia: 17/9/93
5 indicações ao Oscar: Atriz Coadjuvante (Winona Ryder), Roteiro Adaptado, Trilha Sonora Original, Figurino, Direção de arte/cenários
Vencedor do Oscar de Figurino
Golden Globe de Atriz Coadjuvante (Winona Ryder)
Em 1920, a escritora Edith Wharton publicou seu romance "A era da inocência", que a fez tornar-se a primeira mulher a ser premiada com o Pulitzer. Sessenta anos depois, o crítico da revista Time, Jay Cocks deu um exemplar do livro a seu amigo Martin Scorsese afirmando que, se um dia o cineasta quisesse realizar um drama romântico, ali estava a sua trama. Cocks sabia o que estava falando. Realizador de filmes densos e com alto teor de violência, Scorsese declarou, à época do lançamento de "A época da inocência" - um ano atrasado em relação ao cronograma original - que a história de amor contada por Wharton é seu filme mais violento. Logicamente quem assistiu a obras impactantes como "Touro indomável", "Os bons companheiros" e "Cabo do medo" - todas extremamente agressivas - pode não concordar com a afirmação em um primeiro momento. Basta, porém, olhar com mais cuidado todas as nuances de "A época da inocência" para que se perceba que ele está absolutamente certo. Sem que uma única gota de sangue seja derramada, o romance proibido entre o advogado Newland Archer e a condessa Ellen Olenska consegue ser mais cruel e beligerante do que qualquer taxista neurótico, mafioso ambicioso ou ex-presidiário vingativo.
Nos anos 1870, a Condessa Ellen Olenska (Michelle Pfeiffer, belíssima e excelente atriz) retorna à sua Nova York natal depois do fracasso de seu casamento com um conde europeu. Acolhida com carinho pela família, ela no entanto, sofre com a rejeição da alta sociedade da cidade, que, fiel a suas regras de conduta, lhe vira as costas inclementemente. Solitária, ela recebe o apoio de um conhecido de infância, Newland Archer (Daniel Day-Lewis), por quem acaba se apaixonando perdidamente. O problema é que ele acaba de ficar noivo de May Welland (Winona Ryder, delicada e meiga como convém), a prima de Ellen. Com seu romance proibido pelas rígidas normas sociais, eles tentam conviver com um amor devastador que não tem o direito de vir à luz.
A violência em "A época da inocência" não é física e sim emocional. Scorsese retrata as convenções sociais com a mesma paixão e força com que filma assassinatos e lutas de boxe. Em sua visão de gênio ele equipara as regras da alta sociedade com os códigos de honra dos mafiosos - é fascinante como os virulentos guarda-costas de seus filmes anteriores são substituídos aqui por mulheres delicadas e homens de modos refinados que, no entanto, tem a mesma função vil de acabar com vidas alheias - se não literal, ao menos metaforicamente. Newland e Ellen são vítimas de uma sociedade preconceituosa e egoísta, que não permite a felicidade se ela, para existir, necessite abdicar de preceitos há muito arraigados. A condessa é uma mulher à frente do seu tempo, que tenta desesperadamente respirar em um mundo sufocado por etiquetas caducas. Archer é um homem romântico, íntegro, mas sem maiores arroubos de coragem de desafiar a família e os outros - o inferno de Sartre. Juntos, eles caminham rumo a um final melancólico que Scorsese orquestra como ninguém.
"A época da inocência" é um espetáculo em todos os sentidos. O roteiro - co-escrito pelo diretor e por seu amigo Jay Cocks - é extremamente fiel ao livro que lhe deu origem, discorrendo abundandemente sobre os sentimentos escondidos de suas personagens sem que lhes seja preciso vastos diálogos. Ao contrário dos filmes anteriores do diretor, onde o improviso era palavra de ordem, aqui cada movimento de câmera, cada enquadramento, cada frase proferida pelos protagonistas e seus coadjuvantes são precisos e meticulosamente estudados. É de deixar sem fôlego, por exemplo, a longa sequência em que Archer chega em um dos bailes mostrados no filme: sem apelar para cortes, Scorsese acompanha Day-Lewis em seu caminho em direção à festa, levando a audiência a acompanhá-lo passo a passo. Apoiado por uma música nunca aquém de espetacular do maestro Elmer Bernstein, o travelling do diretor é uma aula de cinema - e o fato de acontecer lentamente apenas aumenta ainda mais o prazer.
E prazer é o que não falta quando se assiste a "A época da inocência", que foi praticamente ignorado pelo Oscar - recebeu uma estatueta apenas, por seu estupendo figurino e foi deixado de lado nas categorias principais. A reconstituição de época é magnífica - e o próprio cineasta se deixa arrebatar por ela, em determinados momentos - e o luxo e a pompa que cercam suas personagens são quase tão importantes quanto elas mesmas. Jantares suntuosos, bailes grandiosos e propriedades de cair o queixo são mostrados em detalhes, fotografados com perfeição por Michael Ballhaus - é especialmente deslumbrante a cena em que Pfeiffer está de costas mirando o mar enquanto Day-Lewis espera que ela vire para encontrá-lo. É poesia em forma de cinema. De extasiar qualquer espectador sensível.
Ainda que perca um pouco o ritmo em sua segunda metade - um pecadilho que nem sequer chega a ser percebido pelos olhos encantados da plateia - Scorsese fez de "A época da inocência" um dos filmes mais sensacionais da década de 90. Pode não agradar aos fãs ocasionais, mas definitivamente conquista aqueles que realmente conhecem bom cinema e o consideram realmente uma arte.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
segunda-feira
A ÉPOCA DA INOCÊNCIA
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3 comentários:
Dos trabalhos do grande mestre, sem dúvida, esse foi um dos que menos me cativou. Kundun, na minha visão foi o mais fraco. Mas, esse não me cativou.
Um filme delicado, encantador, sedutor e ao mesmo tempo arrebatador. Uma mulher à frente de seu tempo que luta contra os preconceitos de uma sociedade rígida e conservadora. Amei esse filme. Gosto muito desse tema. Um dos mais instigantes filmes que já vi.
Um filme sensacional, simplesmente! O aspecto psicológico é fantástico.
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