CORAÇÕES EM CONFLITO (Mammoth, 2009, Memfis Film, 125min) Direção e roteiro: Lukas Moodysson. Fotografia: Marcel Zyskind. Montagem: Michal Leszczylowki. Música: Erik Holmquist, Linus Gierta, Jesper Kurlandsky. Figurino: Denise Ostholm. Direção de arte/cenários: Josefin Asberg. Produção executiva: Lene Borglum, Peter Garde, Vibeke Windelov. Produção: Lars Jonsson. Elenco: Michelle Williams, Gael García Bernal, Marife Necesito, Sophie Nyweide, Tom McCarthy. Estreia: 19/01/09 (Estocolmo)
Há mais em comum entre "Corações em conflito" e "Babel" do que a simples presença do ator mexicano Gael García Bernal. Apesar do badalado filme de Alejandro Gonzalez Iñarritu ter arrancado elogios e prêmios mundo afora e da obra do desconhecido Lukas Moodysson ter passado praticamente em branco pelos cinemas, ambos falam sobre temas que se tornaram primordiais em uma época de globalização: a incomunicabilidade entre as pessoas e o entrelaçamento cada vez maior e indelével de culturas diversas sem que haja uma real interação e respeito entre elas. Porém, se a produção de Iñarritu apelava para um ambicioso painel estrelado por grandes nomes de Hollywood, o filme do sueco Moodysson opta por um registro mais discreto e minimalista, ao centrar seu foco na história de um casal jovem e profissionalmente realizado que tem seu relacionamento posto à prova quando o marido precisa fazer uma viagem de negócios e passa a questionar seu modo de vida.
Leo (muito bem interpretado por Gael García Bernal) e Ellen Vidales (Michelle Williams, sempre à vontade em papéis que exigem uma entrega dramática mais intensa) formam um casal em franca ascensão profissional. Morando em um confortável e amplo apartamento em Nova York ao lado da filhinha, Jackie (Sophie Nywiede), eles levam uma vida tranquila e desprovida de maiores dramas. Porém, quando Leo viaja para a Tailândia com seu sócio, para assinar um milionário contrato, essa paz toda começa a mostrar suas rachaduras. Ellen atende a um rapaz esfaqueado pela própria mãe e passa a nutrir por ele um carinho que a faz repensar o casamento. Leo, enquanto aguarda a confecção do contrato, se hospeda em uma cabana rústica de Bangcoc e se aproxima de uma jovem prostituta que deseja mudar de vida. E Gloria (Marife Necesito), a babá da pequena Jackie, sofre com a saudade que sente dos filhos que deixou nas Filipinas, sem nem ao menos desconfiar dos sérios problemas e ameaças a que suas crianças estão expostas.
Ao mesclar três linhas narrativas simultâneas em seu roteiro, o suíço Moodysson se aproxima perigosamente do terreno já explorado à exaustão, tanto por Iñarritu quanto por outros cineastas premiados, como Paul Haggis, que fez o mesmo com seu oscarizado e superestimado "Crash, no limite". No entanto, ao seguir um caminho menos sensacionalista e mais sutil, que privilegia silêncios e olhares, o cineasta segue o rumo oposto dos exemplares mais famosos do gênero - e para isso conta com um desempenho preciso de Michelle Williams (já indicada ao Oscar de coadjuvante por "O segredo de Brokeback Mountain" e em vias de concorrer mais duas vezes à estatueta na categoria principal). A forma com que a jovem atriz se entrega ao desespero quieto e angustiado de Ellen dá consistência e ressonância ao roteiro do diretor, que também explora, com delicadeza, a relação entre a patroa - americana, jovem, bem-sucedida - e a empregada - imigrante, sofrida, subvalorizada - quando um novo elemento surge em cena: o ciúme. Sentindo-se afastada da filha, que passa mais tempo com a babá do que com a mãe, Ellen inicia também um processo de autoquestionamento em relação à sua função materna, uma subtrama importante que dialoga diretamente com a distância entre Gloria e seus filhos - que tem desdobramentos corajosos e dramáticos que poucos filmes hollywoodianos tem.
E se Michelle Williams brilha mais uma vez, o mesmo pode ser dito de Gael García Bernal. Um dos mais elogiados atores de sua geração - e certamente o único mexicano a brilhar em filmes de nacionalidades variadas, sempre com grandes atuações - Bernal novamente entrega um desempenho memorável, na pele de um homem que vê a maturidade aproximar-se da maneira mais inesperada possível e tenta lidar com ela da melhor maneira possível. Mesmo que sua trama seja a menos interessante das três histórias, ele a banha com simpatia e verdade, impedindo que se afunde nos clichês que volta e meia aparecem no caminho. São os dois atores que transformam a experiência de se assistir a "Corações em conflito" - um drama à primeira vista banal mas que revela grande profundidade em sua narrativa simples e direta - em um programa bastante interessante. É um filme que merece ser descoberto.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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