Indicado ao Oscar de Maquiagem
Demorou sete anos até que o australiano Peter Weir voltasse para trás das câmeras e presenteasse o público com mais um de seus belos trabalhos. Responsável por alguns dos clássicos dos anos 80, como "A testemunha" e "Sociedade dos poetas mortos", Weir estava sumido desde "Mestre dos mares", de 2003 e sua volta não poderia ter sido mais festejada pelos fãs de cinema. Mesmo que "Caminho da liberdade" tenha fracassado nas telas americanas e sido praticamente ignorado pelas cerimônias de premiação que cumularam de láureas o previsível e aborrecido "O discurso do rei", o filme é um belo drama de superação que não apela para emoções fáceis e que é narrado de forma discreta e elegante, como é normal na obra do cineasta.
Baseado em fatos reais, "Caminho da liberdade" começa quando o jovem polonês Janusz (Jim Sturgess, de "Across the universe", visivelmente entregue ao personagem) é preso pelos soviéticos durante a divisão russo-germânica em seu país. Acusado de traição e separado da esposa, ele é condenado a um campo de concentração. Em 1941, movido por uma coragem inabalável, ele lidera um grupo de presos em uma fuga insana: a pé, eles atravessam milhares de quilômetros, saindo da Sibéria e chegando até a Índia munidos apenas de um machado e uma faca. Enfrentando nevascas, o clima do deserto de Gobi e as condições inóspitas do Himalaia, o grupo - que inclui o criminoso Valka (um irreconhecível Colin Farrell), o misterioso e calado americano Mr. Smith (Ed Harris) e a adolescente Irena (Saoirse Ronan, indicada ao Oscar de coadjuvante por "Desejo e reparação") - nunca desiste de seu objetivo, mesmo que em muitos momentos o cansaço, o medo e o desespero tomem conta de seus pensamentos.
É fácil encontrar, na narrativa de "Caminho da liberdade", todas as qualidades do bom cinema de Peter Weir: personagens fortes, ritmo cadenciado e o cuidado com os detalhes técnicos, como a estupenda fotografia de Russell Boyd e a trilha sonora discreta e eficiente de Burkhard Dallwitz. Acompanhando a trajetória sofrida e repleta de armadilhas de seus protagonistas, o roteiro inspirado no livro de Slawomir Rawicz é contado de forma episódica, explorando a cada momento a personalidade de cada um e mostrando facetas até então soterradas pela violência e pela humilhação. É um sopro de frescor, por exemplo, a entrada em cena da única mulher do grupo, Irena - vivida pela ótima Saoirse Ronan com extrema competência - que, mesmo sob suspeita, traz à tona os resquícios de humanidade de todos. Sem medo de chocar ou surpreender o espectador com mortes inesperadas ou sequências graficamente cruéis (membros em estado de putrefação, por exemplo), Weir fez um retorno triunfal ao cinema, mostrando que seu afastamento voluntário em nada prejudicou seu maior talento: saber contar uma história sem perder a cumplicidade da plateia.
Com tudo isso, fica difícil entender porque a Academia ignorou "Caminho da liberdade", que tinha todos os ingredientes para conquistar uma penca de Oscar: uma história real de superação e coragem durante a II Guerra Mundial, atuações marcantes, uma técnica impecável e um conjunto inspirador de qualidades. Indicado apenas ao prêmio de maquiagem - uma indicação justíssima, aliás - o filme de Weir acabou sendo mais uma das injustiças cometidas pelo Oscar 2011. Mesmo que não seja extraordinário ou inesquecível, é forte e inteligente o bastante para emocionar àqueles que procuram histórias de verdade, com personagens que fogem do tradicional heroísmo hollywoodiano. Um grande filme!
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