10 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Direção (Ethan Coen, Joel Coen), Ator (Jeff Bridges), Atriz Coadjuvante (Hailee Steinfeld), Roteiro Adaptado, Fotografia, Figurino, Direção de Arte/Cenários, Edição de Som, Mixagem de Som
“Onde os fracos não tem vez”, que
conquistou a Academia em 2007, já tinha os dois pés cravados em alguns dos mais
fortes cânones do western, mas os irmãos Coen – que já haviam brincado com
sucesso com vários gêneros caros ao cinema americano – ainda não tinham
assinado um faroeste tradicional, daqueles com cavalos, tiroteios heróicos,
xerifes, mocinhas valentes e crepúsculos espetaculares. “Bravura indômita”,
lançado em 2010, acabou com essa falha. Baseado no romance de Charles Portis
que também foi a base do filme de mesmo nome que deu o Oscar de melhor ator a
John Wayne, o remake da dupla que já havia revirado os elementos do cinema noir
(“Gosto de sangue” e “O homem que não estava lá”), das comédias
malucas(“Arizona nunca mais”), dos filmes de gângsters (“Ajuste final”), dos
musicais (“E aí, meu irmão cadê você?”) e das comédias românticas (“O amor
custa caro”) é um exemplo típico do melhor que o cinemão hollywoodiano pode
oferecer ao público quando se trata de narrativas clássicas. Bem escrito – com
diálogos inteligentes e salpicados do humor típico dos diretores – e dirigido
com extrema competência, é um filme capaz de agradar aos mais exigentes fãs do
gênero e, de quebra, arrebanhar cinéfilos que nunca foram muito entusiastas de
duelos ao sol.
Indicado a dez Oscar na cerimônia de
2011 dominada pela mediocridade de “O discurso do rei”, “Bravura indômita”
mereceu cada uma de suas indicações. Com uma realização impecável – a mais
requintada da carreira dos diretores – o filme transcende tanto o livro no qual
é baseado quanto o original lançado em 1960. Dotada de uma irreverência e um
sarcasmo apenas ensaiado no filme anterior, essa nova versão oferece ao
espectador uma trama cujos conceitos de heroísmo, vingança e justiça são bem
mais elásticos e coerentes com uma geração que certamente rejeitaria o
maniqueísmo inerente aos gloriosos tempos do gênero, onde as mulheres
normalmente eram relegadas a segundo plano. Só por ter como protagonista uma
mulher – ou melhor dizendo, uma adolescente de 14 anos – “Bravura indômita” já
mostra que tem mais a dizer do que a maioria de seus pares. Indicada
inexplicavelmente ao Oscar de atriz coadjuvante – já que sua Mattie Ross é a
personagem central da trama – a novata Hailee Steinfeld se mostra à altura do
desafio, encarando sem medo a oportunidade de enfrentar, logo em sua estreia
nas telas, nomes como Jeff Bridges, Matt Damon e Josh Brolin.
Mattie Ross, a personagem de
Steinfeld, é uma jovem que chega a uma pequena cidade do interior para reclamar
o corpo do pai, covardemente assassinado por um empregado, Tom Chaney (Josh
Brolin, assustador). Dotada de uma coragem sem igual, ela quer, na verdade,
caçar o criminoso e entregá-lo à justiça. Para isso, ela chega até o lendário
Rooster Cogburn (Jeff Bridges), que há muito já deixou para trás seus melhores
dias como caçador de recompensas. Aceitando a proposta da menina – teimosa e
pouco afeita às delicadezas femininas que ele, bêbado e acostumado com o
violento universo masculino de carteados e assassinatos – de buscar Chaney,
Cogburn acaba se surpreendendo quando a própria contratante resolve
acompanhá-lo na missão. Depois de uma série de discussões, os dois iniciam a
jornada, juntamente com o xerife LaBoeuf (Matt Damon), também com razões de
sobra para querer por as mãos no fora-da-lei.
Com essa história simples em mãos,
Ethan e Joel Coen apagam a má impressão que deixaram com sua experiência
anterior em remakes – quando transformaram “Quinteto da morte” no sem graça
“Matadores de velhinhas” – e realizam um de seus melhores filmes. Normalmente acostumados
a trabalhar com material próprio, eles acabam por transformar a história de
Charles Portis em um território fértil para seu jeito particular de fazer
cinema, salpicando de humor e uma certa estranheza uma trama aparentemente
banal. Juntamente com cenas de estonteante beleza – cortesia da fotografia
excepcional de Roger Deakins, que se aproveita dos cenários naturais para
construir sequências de encher os olhos – os diretores apresentam uma visão ao
mesmo tempo carinhosa e irônica a um gênero constantemente em processo de
mutação e redescoberta pelo público. Avessos à violência explícita, eles não
hesitam em mostrar corpos em putrefação quando necessário, mas evitam utilizá-la
como artifício narrativo primordial, concentrando seu foco na relação entre o
trio de personagens principais – uma relação calcada em um misto de admiração,
desprezo e solidariedade que somente um roteiro tão repleto de nuances é capaz
de apresentar sem parecer esquizofrênico ou incoerente. E além do senso de
ritmo invejável – quando a história parece querer esfriar o temido Chaney entra
em cena para agitar as coisas – os irmãos Coen também dão a Jeff Bridges mais
um personagem dos melhores em sua carreira.
Brigão, ranzinza e politicamente
incorreto, Rooster Cogburn deu John
Wayne seu único Oscar e quase deu a Bridges sua segunda estatueta apenas um ano
depois de sua primeira vitória pelo cantor country de “Coração louco”. Sem medo
das comparações com a clássica interpretação de um dos atores mais fortemente
vinculados ao western americano, Bridges injetou a Cogburn um senso de humor
ácido que combina com exatidão com a visão quase iconoclasta dos cineastas, que
respeitam os elementos do faroeste sem precisar, para isso, ater-se à visão
normalmente preconceituosa com que os filmes do gênero apresentavam de
mulheres, indígenas e afins. O “Bravura indômita” do século XXI não entra em
discussões sexistas ou raciais, preferindo abster-se de polêmicas e apenas
contar, da melhor forma possível, uma boa história. Contando com a ajuda de um
grande orçamento – e a produção executiva de Steven Spielberg – os oscarizados
irmãos cineastas/roteiristas juntaram uma equipe técnica impecável, um elenco
acima de qualquer suspeita, uma trama já testada e aprovada por várias gerações
de cinéfilos e seu talento imenso para criar um novo clássico. Mesmo tendo
perdido todos os Oscar a que concorria – injustamente, diga-se de passagem –
“Bravura indômita” é um filme a ser lembrado como um perfeito exemplo do
cinemão que só Hollywood é capaz de fazer.
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