SURPRESAS DO CORAÇÃO (French kiss, 1995, Polygram Filmed Entertainment/20th Century Fox, 111min) Direção: Lawrence Kasdan. Roteiro: Adam Brooks. Fotografia: Owen Roizman. Montagem: Joe Hutshing. Música: James Newton Howard. Figurino: Joanna Johnston. Direção de arte/cenários: Jon Hutman/Kara Lindstrom. Produção executiva: Charles Okun. Produção: Tim Bevan, Eric Fellner, Kathryn F. Galan, Meg Ryan. Elenco: Meg Ryan, Kevin Kline, Timothy Hutton, Jean Reno, François Cluzet. Estreia: 05/5/95
Desde sua estreia como cineasta em 1981, com o neonoir "Corpos ardentes", o roteirista Lawrence Kasdan sempre demonstrou uma versatilidade ímpar, percorrendo praticamente todos os estilos com inteligência e talento. Foi assim com os dramas "O reencontro" (83) e "Grand Canyon: ansiedade de uma geração" (91), a comédia de humor negro "Te amarei até te matar" (90), o romance de "O turista acidental" (88) e os westerns "Silverado" (85) e "Wyatt Earp" (94). Não chega a ser uma surpresa, portanto, que seu nome esteja por trás de "Surpresas do coração", sua primeira (e até agora única) investida na comédia romântica. Tampouco é surpreendente que, como aval para sua estreia, ele tenha contado com a providencial ajuda daquela que, na metade dos anos 90, era o principal nome de Hollywood no gênero: Meg Ryan. Uma das produtoras do filme, Ryan é a cara do projeto, uma produção agradável, divertida e inofensiva que, se não chega a ser memorável, ao menos é um passatempo bastante sofisticado, emoldurado por belas paisagens francesas e por um roteiro esperto que brinca com as diferenças culturais entre EUA e França - além de contar com um belo elenco e a fotografia inspirada de Owen Roizman em seu último trabalho.
Como frequentemente acontece no mundo do cinema, "Surpresas do coração" caiu nas mãos de Kasdan na hora certa: esgotado depois das problemáticas filmagens de "Wyatt Earp" - realizado com grande ambição mas recebido com frieza pelo público e pela crítica - e querendo um período de férias, ele encontrou, no roteiro de Adam Brooks, a desculpa perfeita para passar um tempo na França ao mesmo tempo em que trabalhava em um projeto menos grandioso. Sem poder contar com a presença de Gérard Depardieu (para quem o protagonista masculino foi escrito), o cineasta resolveu a questão da melhor forma possível e chamou para o elenco um amigo pessoal, parceiro habitual e, ainda mais importante, um ator sensacional. Em seu quinto trabalho com Kasdan, o premiado e sempre imprevisível Kevin Kline acrescenta um tempero a mais no filme, em uma personificação impagável de anti-galã - com direito a visual desleixado, mau-humor constante... e um charme incontestável.
A trama começa quando Kate (Meg Ryan), uma americana em vias de casar-se com o noivo, Charlie (Timothy Hutton), e assumir cidadania canadense, descobre, da pior maneira possível, que ele desistiu do compromisso depois de apaixonar-se por uma jovem francesa em sua viagem a Paris. Desesperada para reconquistá-lo, ela supera sua fobia de voar e resolve viajar ao encontro do novo casal. No avião, ela senta ao lado de Luc Teyssier (Kevin Kline), um típico francês falastrão e estranhamente interessado em suas histórias. Na verdade, o que Kate não sabe e só irá descobrir muito depois - quando já for tarde para tomar qualquer providência a respeito - é que Luc é um conhecidíssimo ladrão de joias que escondeu um valioso colar em sua mochila, juntamente com uma muda com a qual planeja começar um vinhedo em sua terra natal. Roubada por um antigo comparsa de Luc e sem possibilidade de voltar para casa, só resta à Kate reencontrar Charlie - e para isso, ela conta com a ajuda inesperada do adorável criminoso.
"Surpresas do coração" é o que se pode esperar de um filme estrelado por Meg Ryan. Assim como em todos os seus trabalhos anteriores do estilo, a atriz é simpática, engraçada e desajeitada na medida certa para a identificação da plateia feminina e interesse da masculina. Tal previsibilidade é, ao mesmo tempo, o maior trunfo e o calcanhar de Aquiles do filme: enquanto oferece ao público o que ele deseja quando se trata de uma comédia romântica (belas paisagens, personagens adoráveis, bons momentos de humor, uma trilha sonora inspirada), o trabalho de Kasdan não surpreende em momento algum, seguindo com lealdade canina todos os passos de uma produção do gênero. É lógico que o desempenho de Kevin Kline acrescenta prestígio ao filme (assim como o elenco francês, que inclui Jean Reno e François Cluzet, além do vencedor do Oscar Timothy Hutton), mas desta vez Kasdan não imprime uma marca diferencial, uma releitura que dê sua personalidade ao filme. É uma comédia romântica simples e eficiente, mas sem a intensidade de seus trabalhos anteriores - o que talvez seja algo proposital, afinal ele queria férias, não é verdade? No final das contas, para os fãs de Ryan, Kline e comédias românticas em geral, é um prato saboroso. Para o resto do público, é um passatempo dos mais divertidos - o que já é muito mais do que se pode dizer de boa parte de seus congêneres.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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