Levando-se
em conta as simpatias democratas de Oliver Stone e sua falta de meias-palavras
quando o assunto é política, não deixa de ser surpreendente o quanto “W.”, sua
cinebiografia do presidente norte-americano George W. Bush, é relativamente
suave e quase benevolente em relação ao protagonista. Tudo bem que o próprio
cineasta já havia relutado em contar sua trajetória tão prematuramente – em 2004
ele mesmo declarou que ainda era muito cedo para perspectivas históricas sobre
o então candidato à reeleição -, mas nada fazia prever que seu filme fugiria de
maiores polêmicas, principalmente quando se trata do autor de obras tão
inflamáveis quanto “JFK” (91) e “Assassinos por natureza” (94), que despertaram
furor na crítica e no público. Contado de forma a não utilizar os artifícios
narrativos comuns à filmografia de Stone, “W.” é uma biografia convencional,
acadêmica e, por vezes, bastante tediosa. Nem de longe lembra os melhores
momentos do diretor – ainda que conte com uma atuação surpreendente de Josh
Brolin no papel central.
Substituindo
Christian Bale – que abandonou o projeto pouco antes do começo das filmagens -,
Brolin aproveitou-se de uma ótima fase de sua então renascida carreira para ser
escolhido por Stone para viver Bush. Vindo dos sucessos de crítica “O gânster”
e “Onde os fracos não tem vez” (ambos de 2007), o outrora astro juvenil
demonstra segurança ímpar em dar vida a um personagem ambíguo, complexo e pouco
carismático, mas que assumiu importância absoluta no comando dos EUA por dois
mandatos consecutivos – e protagonizou algumas das passagens mais sombrias da
história do país, como o atentado às Torres Gêmeas e a guerra a Saddam Hussein.
Não necessariamente parecido fisicamente com Bush, o ator incorpora o
personagem em sotaque, expressão corporal e maneirismos sutis – e brilha sempre
que o roteiro lhe permite. Tem mais sorte que o restante do (vasto e conhecido)
elenco, que parece estar em cena apenas como meros figurantes: apenas James
Cromwell como George Bush pai tem chances de mostrar serviço, enquanto nomes
como Ellen Burstyn (como Barbara Bush), Thandie Newton (Condoleeza Rice) e
Richard Dreyfuss (o vice-presidente Dick Cheney) soam perdidos em meio à edição
vai-e-volta (único resquício do velho Oliver Stone): Dreyfuss, inclusive, teve
sérios problemas com o cineasta e nenhum deles parece disposto a repetir a
parceria – talvez a primeira opção para o papel, Robert Duvall, fosse menos
complicada para a produção.
Se em
“Nixon” (95) o foco de Oliver Stone foi, como se poderia esperar, o escândalo
Watergate (que servia como ponto de convergência para uma narrativa fora de
ordem cronológica), em “W.” o cineasta escolhe como ponto de partida a crise
estabelecida pelo trauma pós-11 de setembro, quando Bush se vê obrigado a lidar
com a ameaça terrorista em pleno solo pátrio – e responder à altura de um líder
de sua importância. O presidente precisa tomar a atitude certa, não apenas para
demonstrar seu controle sobre a situação, mas também para conquistar o que mais
lhe importa na vida: o aplauso de seu próprio pai. É essa odisseia de Bush – a
busca pela aprovação e respeito paterno – a base do roteiro de Stanley Weiser:
mais do que esmiuçar os bastidores da política americana, o filme de Oliver
Stone investiga (sem maior profundidade, mas com respeito e sensibilidade quase
inesperadas) a carência de seu protagonista e sua necessidade quase doentia de
provar-se capaz aos olhos do pai. Por ele, o jovem Bush é capaz de abandonar a
vida no Texas e partir rumo a Washington com a esposa, Laura (Elizabeth Banks),
para ajudar em sua campanha para presidente – mas nem ele é motivo suficiente
para demover o ambicioso político a desistir da candidatura a governador,
alguns anos mais tarde. Essa dubiedade entre a vontade de agradar ao pai e a
ambição de ascender ao poder é um dos pontos mais interessantes da trama, e é
sublinhada por algumas belas tomadas de Bush flertando com seu sonho de
tornar-se jogador de beisebol. Infelizmente o roteiro não se aprofunda nessa
questão e nem tampouco em sua relação com Jeb (Jason Ritter), seu irmão caçula
e principal responsável por sua imagem quase patética diante do pai. Quando
juntos em cena, Josh Brolin e James Cromwell estão impecáveis, mas Stone perde
a oportunidade de explorar com mais ênfase a relação entre os dois, sugerindo
bem mais do que mostrando.
É
impossível negar que “W.” é um produto com tudo de melhor que Hollywood pode
oferecer: da fotografia inspirada de Phedon Papamichael à trilha sonora de Paul
Cantelon, tudo funciona como deveria, todas as peças estão no devido lugar. O
problema, para choque de todos, é justamente o que poderia ser maior trunfo: a
direção de Oliver Stone. A quilômetros de distância de seus momentos mais
provocativos, Stone parece estar no piloto automático, sem a contundência
habitual ou até mesmo a ferocidade em questionar uma das personalidades mais
controversas de sua geração. Não à toa, o filme passou em brancas nuvens tanto
nas bilheterias quanto nas cerimônias de premiação, uma situação pouco comum na
carreira do cineasta. Fica a impressão de um filme que tinha tudo para marcar
época, mas que teve medo de explorar todas a sua potencialidade. Ainda que não
seja ruim, é muito pouco perto do talento de seu realizador.
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