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FAÇA A COISA CERTA

FAÇA A COISA CERTA (Do the right thing, 1989, Universal Pictures, 120min) Direção e roteiro: Spike Lee. Fotografia: Ernest Dickerson. Montagem: Barry Alexander Brown. Música: Bill Lee. Figurino: Ruth Carter. Direção de arte/cenários: Wynn Thomas/Steve Rosse. Produção: Spike Lee. Elenco: Danny Aiello, John Turturro, Spike Lee, Ossie Davis, Ruby Dee, Rosie Perez, Giancarlo Esposito, John Savage, Bill Nunn, Samuel L. Jackson, Martin Lawrence. Estreia: 19/5/89 (Festival de Cannes)

2 indicações ao Oscar: Ator Coadjuvante (Danny Aiello), Roteiro Original

Quando "Faça a coisa certa" estreou, no Festival de Cannes de 1989, ninguém poderia imaginar que o filme de Spike Lee se tornaria, imediatamente, uma das produções mais polêmicas do ano: louvada por parte da crítica (encantada com seu ritmo pulsante e sua coragem em dar voz à comunidade negra americana) e acusada por outra (tida como perigosa e capaz de incitar a violência), a obra conquistou fãs apaixonados e detratores furiosos - boa parte deles francamente descarregando sua munição no cineasta, um dos mais ferozes ativistas negros do país. Premiado pelos críticos de Boston, Chicago e Los Angeles e indicado a quatro Golden Globes (incluindo melhor drama, diretor e roteiro), o filme acabou sendo praticamente ignorado pela Academia (que lhe deu duas meras indicações ao Oscar, ainda que relativamente importantes) e passou à história como um dos mais impactantes produtos da temporada. Mas, afinal, o que "Faça a coisa certa" tem de tão especial a ponto de resistir ao tempo e permanecer como um documento fiel da identidade de sua comunidade?

Em primeiro lugar há o roteiro repleto de energia de Spike Lee, escrito como um hip hop contagiante e caloroso - refletido na fotografia de Ernest Dickerson e na trilha sonora de Bill Lee. Depois, há a militância incansável do jovem diretor, então com apenas 32 anos de idade e no auge de sua ferocidade. Por fim, o contexto de constante ebulição e tensão entre negros e brancos norte-americanos, e que explodiria de vez em 1991, na ocasião do espancamento, por policiais de Los Angeles, de Rodney King - um evento de grandes proporções que resultou em uma discussão internacional sobre racismo e abuso de poder. Sentindo na pele o preconceito e a discriminação, Lee transformou a dor em arte - e foi abraçado por todos aqueles que viram em seu filme um grito contra o sistema e a opressão, assim como incomodou àqueles confortáveis com o status quo. Fugindo de estereótipos fáceis e soluções moralistas, o cineasta aponta sua câmera para situações cotidianas que, aos poucos, vão se tornando o estopim de uma explosão de violência das mais inquietantes da década de 80.


Não existe propriamente um protagonista em "Faça a coisa certa", mas todos os personagens se conectam através de Mookie (vivido pelo próprio Spike Lee), um falastrão entregador de pizza que trabalha para a família de Sal Fragione (Danny Aiello, indicado ao Oscar de ator coadjuvante). Há 25 anos funcionando no Brooklyn, a pizzaria de Sal é um local tradicional do lugar, apesar das relações um tanto instáveis do proprietário e dos moradores - em sua maioria negros e latinos, para desgosto do filho mais velho de Sal, o pouco amigável Pino (John Turturro). Enquanto passa o dia entregando as encomendas do restaurante e lidando com sua vizinhança - além de sua namorada, Tina (Rosie Perez) - o simpático funcionário acaba por ser testemunha privilegiada de um incidente que irá mudar radicalmente o modo de vida dos envolvidos: em um dia de extremo calor, um comentário aparentemente aleatório (questionando a ausência de negros na "parede da fama" da pizzaria) empurra os clientes de Sal a uma rebelião de grandes proporções. Sal, que se considerava parte do bairro, não deixa barato - e a violência explode, incontrolável.

Contando sua história em um crescente grau de tensão - o que começa como uma comédia ligeira vai aos poucos assumindo contornos de uma tragédia anunciada - e com um ritmo ágil e despretensioso que contrasta com o peso do desfecho e da denúncia, "Faça a coisa certa" acerta principalmente em evitar paternalismos fáceis e, mesmo que nitidamente favorável a um lado específico da questão, discutir seus temas com a contundência de quem realmente sabe o que está falando. Seu clímax - que assustou a Paramount a ponto de o estúdio abandonar o projeto, prontamente encampado pela Universal Pictures - é um dos mais potentes da carreira de Spike Lee, e mesmo que seu final acene com uma pontinha de esperança, o roteiro cumpre o que promete, cutucando uma chaga muito aberta na sociedade americana e impondo uma discussão urgente e necessária. Forte, intenso e contundente, "Faça a coisa certa" é um filme atemporal, cuja mensagem ressona ainda nos dias de hoje - quando parece que toda a política de inclusão social democrata voltou décadas e parece cada vez mais distante do ideal. Um filme imprescindível!

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