quarta-feira

PRESENTE DE GREGO

PRESENTE DE GREGO (Baby boom, 1987, United Artists, 110min) Direção: Charles Shyer. Roteiro: Nancy Meyers, Charles Shyer. Fotografia: William A. Fraker. Montagem: Lynzee Klingman. Música: Bill Conti. Figurino: Susan Becker. Direção de arte/cenários: Jeffrey Howard/Lisa Fischer. Produção: Nancy Meyers. Elenco: Diane Keaton, Sam Shepard, Harold Ramis, James Spader, Pat Hingle, Sam Wanamaker. Estreia: 17/9/87 (Festival de Toronto)

A década de 80 viu surgir, no cinemão hollywoodiano, um período que, refletindo o austero governo Reagan, virava suas câmeras para a celebração dos "tradicionais valores americanos" - e que, com o recrudescimento da AIDS, tentava reafirmar os benefícios do núcleo familiar. Foi nesse nicho que até filmes de suspense como "Atração fatal" (87) encontravam um jeito de salientar o conservadorismo do público, identificado com o pensamento puritano da indústria e lotando as salas de cinema. Nada mais normal, portanto, considerando-se essa peculiaridade do mercado, que comédias censura livre para consumo geral se tornassem sucesso de bilheteria - especialmente se estreladas por crianças (de preferência de colo). Foi assim que "Três homens e um bebê" - estrelado por Tom Selleck, Ted Danson e Steve Guttenberg e refilmagem de um êxito francês - e este "Presente de grego" caíram como uma luva no gosto popular. Com uma trama simples (quase simplória), uma atriz de carisma no papel principal e um adorável bebê como atrativo extra, o filme do diretor Charles Shyer - na época casado com a roteirista/produtora Nancy Meyers, com quem assinaria ainda a refilmagem de "Operação Cupido" (98) - chegou a concorrer a dois Golden Globes (melhor filme e melhor atriz, ambas na subcategoria comédia/musical) e esteve perto de dar à Diane Keaton o prêmio de melhor atriz do ano pela National Society of Film Critics. Um exagero, diga-se de passagem, mas que comprova seu prestígio junto à crítica.

Sem precisar de muito esforço para convencer a plateia - e mantendo seu estilo ímpar e naturalista de interpretação -, Keaton dá vida à J.C. Wyatt, uma executiva de Nova York, obcecada por trabalho e que mal arruma tempo para transar com o namorado/marido, Steven Buchner (Harold Ramis), também pouco afeito a romance e sentimentos mundanos, como paternidade e responsabilidade familiar. Às vésperas de uma sonhada e muito batalhada promoção, porém, Wyatt se vê diante de uma inesperada herança de parentes distantes: a pequena Elizabeth, um bebê lindo, adorável, saudável e que não dá a mínima para as pretensões de sua nova mãe em focar-se unicamente na carreira profissional. Depois de tentar entregar a menina para adoção e perder o namorado, Wyatt acaba por perceber que a maternidade não combina com seus planos - demitida, ela se muda para um chalé em Vermont e resolve levar uma vida completamente oposta à que tinha em mente. Depois de reformar sua casa, vira mãe em tempo integral, inicia um flerte com o veterinário Jeff Cooper (Sam Shepard) e entra, quase sem querer, na indústria de alimentos caseiros para bebês - o que a levará de volta a suas velhas questões no mercado de trabalho.


Nitidamente dividido em duas partes desiguais e irregulares, "Presente de grego" parece, a princípio, um filme que aplaude o talento feminino em desdobrar-se em inúmeros papéis - e um retrato do novo perfil da mulher no final do século XX. A primeira metade - em que a protagonista corta um dobrado para compreender as necessidades de sua nova filha - é divertida, agradável e simpática ao extremo, principalmente devido ao carisma de Diane Keaton e à fotogenia das pequenas Kristina e Michelle Kennedy (que se dividiam no papel da pequena Elizabeth). Mesmo que o humor não seja exatamente criativo ou inovador, é delicioso, simples e encantador. Basta que a trama mude de rumo, no entanto, para que tudo se transforme, tanto em ritmo quanto em intenções. Se até então o roteiro focava sua atenção na desastrosa tentativa de Wyatt em descobrir seu até então desconhecido instinto materno - com cenas engraçadas e leves na medida certa -, sua mudança de endereço desvia também os caminhos de sua trajetória. Como em todo bom filme familiar que se preze, a outrora fria e mecânica executiva descobre os prazeres da vida simples, inicia um novo negócio... e, para completar o novo ciclo, encontra um homem (afinal, a família tradicional precisa imperar, certo?).

É uma pena que "Presente de grego" não mantenha o mesmo pique e a mesma despretensão de sua primeira metade. O tom leve de sessão da tarde logo dá espaço para uma trama quadrada em excesso, que parece insistir no fato de que é imprescindível a uma mulher a presença masculina - sem a qual qualquer sucesso (familiar, profissional) sempre estará incompleto. O romance entre Wyatt e o veterinário (interpretado no piloto automático por Sam Shepard) não é tão interessante quanto o relacionamento da executiva com a pequena Elizabeth (que mesmo sem ter consciência disso, causa um terremoto na vida da mãe adotiva). Quando estão juntas em cena, mãe e filha são doces e emocionantes - quando separadas pelo roteiro fazem o filme se parecer com dezenas de outros similares. É um entretenimento competente, atraente e leve, mas com sérios problemas de ritmo - e, apesar da novidade (uma mulher confrontada com uma maternidade inesperada, ao invés de homens desavisados), perde a oportunidade de ser feminista como poderia - e deveria - ser.

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