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A FERA DO ROCK

A FERA DO ROCK (Great balls of fire!, 1989, Orion Pictures, 108min) Direção: Jim McBride. Roteiro: Jack Baran, Jim McBride, livro de Myra Lewis, Murray Silver Jr.. Fotografia: Affonso Beato. Montagem: Lisa Day, Pembroke Herring, Bert Lovitt. Figurino: Tracy Tynan. Direção de arte/cenários: David Nichols/Lisa Fischer. Produção executiva: Michael Grais, Mark Victor. Produção: Adam Fields. Elenco: Dennis Quaid, Winona Ryder, Alec Baldwin, Stephen Tobolowski, John Doe, Trey Wilson, Lisa Blount. Estreia: 30/6/89


Uma das afirmações mais corretas que se pode fazer a respeito de “A fera do rock” é que, ao contrário de muitas cinebiografias de astros da música que chegam às telas com assustadora frequência, ele é um filme que foge radicalmente de academicismos e da tentação de mitificar seu protagonista. Figura principal de um escândalo que abalou sua carreira e o impediu de alcançar seu objetivo de ser “o novo Elvis Presley”, o roqueiro Jerry Lee Lewis encontrou no cineasta Jim McBride um cronista que, se combinou perfeitamente com sua personalidade anárquica e iconoclasta, ao mesmo tempo incomodou a todos: fãs, familiares, biógrafos e o próprio Lee Lewis. De nada adiantou McBride defender sua obra dizendo que nunca teve a intenção de criar um documento histórico – a gritaria foi grande e o resultado nem valeu tanto a pena assim. Nitidamente avesso a narrativas convencionais, “A fera do rock” fracassou nas bilheterias – e, a não ser que seja assistido como a grande brincadeira que no fundo ele é, é um filme bastante insatisfatório – e até um pouco bobo demais.

Talvez contaminado pelo tom quase folclórico de seu personagem principal, Jim McBride exagerou na alegoria e, rejeitando o naturalismo de sua filmografia até então – que incluía até mesmo um remake do clássico francês “Acossado” (rebatizado de “A força do amor” e merecidamente ignorado) -, construiu um filme que é uma celebração do kitsch. Das cores fortes que remetem ao Technicolor da época em que se passa sua ação até os cenários e os figurinos, tudo em “A fera do rock” transpira excessos. McBride brinca até mesmo quando acrescenta coreografias inesperadas a cenas aparentemente comuns, e jamais ultrapassa a superficialidade na construção de seus personagens. Assim como a casa de Lee Lewis e sua nova (e adolescente) esposa, tudo que o cerca parece ser de plástico, obviamente partes de um cenário construído de forma a renegar o realismo e acentuar o clima de eterna festa da vida do cantor (ao menos da vida como contada pelo roteiro – levemente inspirado na biografia escrita por Murray Silver Jr. com base nas memórias de Myra, a primeira (e mais polêmica) mulher do roqueiro. Se os próprios Silver e Myra repudiaram o resultado final é difícil saber até onde vão as liberdades tomadas pelo diretor – mas quem não procurar acuidade histórica e quiser apenas saber (ainda que pouco) da vida de Lee Lewis, o filme pode até ser um entretenimento razoável.



Para quem não sabe, Jerry Lee Lewis esteve a ponto de substituir Elvis Presley no coração das fãs – especialmente quando o rei do rock foi convocado para servir ao exército americano. Dono de uma personalidade expansiva (até demais) e de uma criatividade que muitas vezes assustava aos desavisados, Lee Lewis seguiu um caminho bastante diverso daquele trilhado por seu primo Jimmy Swaggart – que tornou-se um dos pastores católicos mais conhecidos dos EUA e que frequentemente batia de frente com as atitudes do roqueiro. Irresponsável e dono de um talento raro para transformar um simples piano em um instrumento capaz de levantar a plateia jovem, Lee Lewis praticamente jogou a carreira fora quando apaixonou-se e casou-se com sua prima de apenas 13 anos de idade, Myra (vivida por uma juvenil e encantadora Winona Ryder): com o escândalo descoberto, primeiro o público europeu e depois o resto do mundo, lhe virou as costas, em uma demonstração de conservadorismo radical. Não foi à toa: não apenas Myra era praticamente uma criança (como demonstra seu desespero ao perceber que não é capaz de cuidar da própria casa) como era filha do primo e colega do cantor – que havia lhe dado um lugar para morar quando ele estava começando a carreira. Mesmo a mentalidade mais aberta e liberal teria dúvidas a respeito do caso – dá para imaginar, então, na sociedade norte-americana dos anos 50...

Incorporando totalmente o espírito festivo da visão de Jim McBride, o ator Dennis Quaid faz de seu Jerry Lee Lewis um fauno libertino e hedonista – muitas vezes pesando a mão na caracterização e chegando perto do overacting. É difícil imaginar, por exemplo, como seria se outros projetos envolvendo o roqueiro tivessem ido adiante: Martin Scorsese, por exemplo, imaginava Robert De Niro no papel (e é impossível visualizar De Niro fazendo as macaquices de Quaid ou Scorsese abdicando de seu impecável bom gosto visual para abraçar o colorido cafona de McBride). E Michael Cimino também pensou em dar a sua versão da história, com Mickey Rourke (!!) no papel principal, o que seria no mínimo curioso. O fato é que McBride foi quem passou do plano à ação e, embora não tenha sido completamente feliz, pode-se destacar algumas boas ideias, como um jovem Alec Baldwin na pele Jimmy Swaggart e Winona Ryder (com um papel que quase foi de Drew Barrymore) como a inocente Myra – que sofre com o machismo do marido já na noite de núpcias, quando é acusada de “não comportar-se como uma virgem”. Ryder – que preferiu Myra a participar do elenco feminino de peso de “Flores de aço” e deu chance à Julia Roberts concorrer ao primeiro Oscar – está em um belo momento da carreira, dosando bem a candura e a paixão de sua personagem, que serve como um ponto de equilíbrio à bagunçada vida do protagonista. Ryder e Baldwin, que juntos também fariam “Os fantasmas se divertem” (88), são as melhores coisas do filme – a não ser que se conte, é claro, com a trilha sonora, regravada pelo próprio Jerry Lee Lewis e bem dublada por Dennis Quaid. Para quem gosta do bom e velho rock’n’roll é imperdível! Para os curiosos é apenas ok.

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