COM AMOR, SIMON (Love, Simon, 2018, Fox 2000 Pictures, 110min ) Direção: Greg Berlanti. Roteiro: Elizabeth Berger, Isaac Aptaker, romance "Simon vs The Homo Sapiens Agenda", de Becky Albertalli. Fotografia: John Guleserian. Montagem: Harry Jierjian. Música: Rob Simonsen. Figurino: Eric Daman. Direção de arte/cenários: Aaron Osborne/Tasha Clarkson. Produção executiva: Timothy M. Bourne. Produção: Marty Bowen, Wyck Godfrey, Isaac Klausner, Pouya Shahbazian. Elenco: Nick Robinson, Jennifer Garner, Josh Duhamel, Katherine Langford, Alexandra Shipp, Logan Miller, Keiynian Lonsdale, Jorge Lendeborg Jr.. Estreia: 27/02/18
Levou quase quarenta anos, mas aconteceu: em 1982, a Fox amargou um enorme fracasso de bilheteria com um filme chamado "Fazendo amor", que desafiava as regras implícitas da indústria ao contar a história do romance entre dois homens (um deles casado) sem apelar para um desfecho trágico ou o sensacionalismo. Não apenas o filme foi um fiasco comercial como prejudicou seriamente a carreira de seus atores (entre eles, Michael Ontkean, que só voltaria a chamar a atenção na década seguinte, como o Xerife Truman da série "Twin Peaks"). Em 2018, porém, as coisas foram bem diferentes: adaptado do livro "Simon vs The Homo Sapiens Agenda", de Becky Albertalli, a comédia romântica juvenil "Com amor, Simon", que apresenta um protagonista adolescente que encara com relativa naturalidade sua homossexualidade, conquistou a crítica e encantou seu público-alvo, arrecadando quase 70 milhões de dólares ao redor do mundo a despeito de não ter grandes nomes em seu elenco ou contar com uma campanha agressiva de marketing. Simples, delicado e bastante agradável, é uma produção que daria muito orgulho a John Hughes - o papa do cinema adolescente hollywoodiano.
Assim como nos filmes de Hughes - entre eles os clássicos "Gatinhas e gatões", "A garota de rosa shocking" e "Clube dos cinco" -, os protagonistas de "Com amor, Simon" falam direto a seu público-alvo com sinceridade e bom-humor, mesmo diante de situações dramáticas. Também não falta a trilha sonora antenada, coadjuvantes engraçados e toda aquela série de clichês do gênero - mas utilizados com tanto carinho que é difícil não simpatizar. Pode-se dizer inclusive que, mesmo diante de um tema tão relevante, o filme opta por um caminho um tanto asséptico e fantasioso - mas até nisso o diretor Jim Gillespie é coerente com as intenções de seu rebento. "Com amor, Simon" não se dispõe a quebrar barreiras ou preconceitos: é simplesmente uma boa e simpática história de amor, daquelas a que o público precisa recorrer depois de um dia pesado ou triste. Talvez o público adulto torça o nariz diante de algumas soluções fáceis demais ou do apelo francamente juvenil da trama, porém as plateias a que se destina a produção não tem do que reclamar: raramente elas tem à sua disposição uma comédia romântica tão adequada a seu tempo e suas necessidades sentimentais.
Muito acima da média das produções atuais do gênero, "Com amor, Simon" acompanha as desventuras românticas do protagonista, interpretado pelo carismático Nick Robinson, que empresta a ele uma personalidade tímida e quase desajeitada que combina à perfeição com a trama, recheada de intrigas amorosas, mal-entendidos e uma variedade de personagens interessantes que conquistam o espectador desde os primeiros momentos. Simon Spier, o personagem principal, é um adolescente comum, que vive confortavelmente com os pais, bonitos e bem-sucedidos (Josh Duhamel e Jennifer Garner) e uma adorável irmã mais nova (uma outra irmã, mais velha, foi limada na adaptação). Ele leva uma rotina simples, que envolve escola, amigos, ensaios para uma montagem estudantil de "Cabaret"e um segredo que mantém escondido a sete chaves: sua homossexualidade. Quando um colega se assume gay em um post no blog da escola - sob o pseudônimo de "Blue" -, Simon vê a chance de finalmente conseguir conversar com alguém sobre seus medos e sentimentos. Também disfarçado com um apelido ("Jacques"), ele inicia um relacionamento online com o rapaz - ambos se sentem atraídos intelectual e sentimentalmente um pelo outro, mas tem medo da exposição. Decidido a descobrir a identidade de seu novo amor, Simon passa, então, a imaginar dezenas de situações e possibilidades - e até chantageado passa a ser antes de finalmente conhecer a verdade.
O roteiro, baseado no livro de Becky Albertalli, brinca com as dúvidas de Simon a respeito da identidade de seu correspondente anônimo com delicadeza e respeito, e ainda encontra espaço para inserir uma fina ironia a respeito do preconceito em relação à homossexualidade. Uma sequência em que Simon imagina seus amigos "saindo do armário" e revelando aos pais que são heterossexuais e uma outra, onde ele se imagina finalmente assumido, ao som de Withney Houston, são momentos leves que não deixam que a trama se torne mais séria do que deveria. No fundo, o diretor Greg Berlanti quer apenas contar uma história de autoaceitação e liberdade pessoal, sem desviar sua atenção para outros temas importantes que o filme poderia levantar (a homofobia, os problemas familiares e outras questões são praticamente ignoradas). É uma escolha arriscada que poderia despertar a ira dos militantes mais radicais, mas que acaba sendo compensada pelo alcance do resultado final: mesmo que seja quase um conto de fadas, "Com amor, Simon" é respeitoso, caloroso e importante, por apresentar a uma plateia jovem (e portanto ainda em formação de caráter e personalidade) uma alternativa ao ódio e à intolerância. Pode não mudar o mundo nem marcar a história do cinema, mas é uma deliciosa sessão da tarde - e das mais corajosas e emocionantes.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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