segunda-feira

ASSIM ESTAVA ESCRITO

ASSIM ESTAVA ESCRITO (The bad and the beautiful, 1952, MGM Pictures, 118min) Direção: Vincente Minnelli. Roteiro: Charles Schnee, estória de George Bradshaw. Fotografia: Robert Surtees. Montagem: Conrad A. Nerving. Música: David Raskin. Direção de arte/cenários: Edward Carfagno, Cedric Gibbons/F. Keogh Gleason, Edwin B. Willis. Produção: John Houseman. Elenco: Kirk Douglas, Lana Turner, Walter Pidgeon, Dick Powell, Barry Sullivan, Gloria Grahame. Estreia: 25/12/52

6 indicações ao Oscar: Ator (Kirk Douglas), Atriz Coadjuvante (Gloria Grahame), Roteiro, Fotografia em preto-e-branco, Direção de Arte/Cenários em preto-e-branco, Figurino em preto-e-branco
Vencedor de 5 Oscar: Atriz Coadjuvante (Gloria Grahame), Roteiro, Fotografia em preto-e-branco, Direção de Arte/Cenários em preto-e-branco, Figurino em preto-e-branco

Assim como "A malvada" havia feito dois anos antes com os bastidores do mundo do teatro e proporcionado à Bette Davis um de seus mais icônicos papéis, "Assim estava escrito" fez o mesmo a respeito dos meandros do cinema norte-americano da era dos grandes estúdios, com seus produtores acima do bem e do mal, astros e estrelas lutando por um lugar ao sol e egos frequentemente se esbarrando em sets de filmagens, escritórios luxuosos, recepções e cerimônias de premiação. Levemente inspirado na figura do poderoso David O. Selznick (que deu ao mundo, entre outros, o adorado "E o vento levou") e dirigido por Vincente Minelli, o filme, que contém ainda referências a gente como Orson Welles, Raymond Chandler, Hitchcock e Diana Barrymore, entre outros, tornou-se um sucesso tanto de crítica quanto de público - e, com cinco Oscar no currículo, entrou para a história como o recordista de estatuetas a não ser indicado na categoria principal. É bem provável que seu tom crítico tenha assustado parte da Academia (que premiou "O maior espetáculo da Terra" como o melhor do ano), mas o fato é que seu roteiro (este sim devidamente oscarizado) se mantém atual e potente até os dias de hoje, quando a fogueira das vaidades hollywoodiana ainda queima com a mesma velocidade e voracidade de seis décadas atrás.

A maior sacada do roteiro de Charles Schnee é jamais apresentar seu protagonista a não ser através do ponto de vista de alguns de seus maiores desafetos. É a partir deles - todos com razões o bastante para detestá-lo - que sua personalidade vai tomando forma diante do espectador, que vai formando, aos poucos, um quebra-cabeça cuja resolução mostra um homem ambicioso, cruel e egocêntrico, mas com um talento incomum e uma capacidade única de manipular todos à sua volta. Interpretado com gosto por um Kirk Douglas no auge do carisma, o produtor Jonathan Shields é um anti-heroi no sentido mais perfeito do termo: por mais elegante, charmoso e sedutor que seja, seus objetivos nunca são nobres ou altruístas, e as pessoas que o cercam servem apenas como degraus para sua ascensão ao poder. Filho de um produtor que morreu na miséria, ele é obstinado em fugir do mesmo destino, mesmo que, para isso, precise passar por cima de outras pessoas e sentimentos. Amor, amizade e lealdade são conceitos abstratos para ele - desde que ele ganhe dinheiro, prêmios e bajulação, isso é o que lhe importa e é isso que poderá ser o seu fim. Afinal de contas, em qualquer lugar, toda ação tem uma reação, e é assim que a trama tem começo.


A primeira sequência do filme já dá uma pequena amostra do que virá: o cineasta Fred Amiel(Barry Sullivan), a atriz Georgia Lorrison (Lana Turner) e o escritor/roteirista James Lee (Dick Powell) recebem ligações internacionais, de Paris, do produtor Jonathan Shields, ansioso em falar-lhes a respeito de um novo filme, que pode dar um novo impulso à sua carreira. Nenhum dos seus três antigos colaboradores sequer cogita a ideia de ouvir sua proposta, e são reunidos, então, no escritório de Harry Pebbel (Walter Pidgeon), chefe de estúdio que tenta convencê-los a, ao menos, saber do que se trata o contato do ex-poderoso produtor. É então que todos passam em revista suas experiências com Shields, repletas de traições, mentiras e humilhações. Fred, por exemplo, começou a carreira junto com ele, em produções B de terror - e na primeira oportunidade de adquirir prestígio, foi traído. Georgia, com problemas de alcoolismo, recebe sua ajuda para abandonar sua trajetória de figurante para tornar-se uma estrela, mas é humilhada e abandonada por ele justamente quando parecia estar no rumo certo. E James, a seu pedido, penetra no mundo do cinema e acaba por ver sua esposa, Rosemary (Gloria Grahame, vencedora do Oscar de coadjuvante), envolvida por outro homem graças a armações de Shields. As histórias se unem em um mesmo retrato do protagonista - um retrato pouco agradável, sem dúvida, mas fascinante do ponto de vista do espectador.

Assim como Eve Harrington - a antagonista de "A malvada", interpretada por Anne Baxter -, Jontahan Shields é um personagem francamente detestável, mas ao mesmo tempo é absolutamente irresistível dramaticamente. Kirk Douglas teve a sorte de ficar com o personagem depois da desistência de Clark Gable, e entrega uma de suas melhores atuações, equilibrada perfeitamente entre o charme e a arrogância. Lana Turner, assim como Douglas, está no melhor momento de sua carreira, e é surpreendente que tenha sido apenas Gloria Grahame a vencedora do Oscar - com menos de dez minutos em cena, ela não se destaca tanto assim, especialmente em comparação com os colegas de elenco. Em todo caso, o roteiro premiado de Charles Schnee é uma obra de arte, revelando sem medo vários lados obscuros da indústria hollywoodiana - ironicamente, no mesmo ano, "Cantando na chuva" também lançava um olhar sobre o mesmo tema, mas de forma bem mais carinhosa e romântica. Assim como na trama de Schnee - em que até mesmo a crueldade tem seu discreto charme -, o mundo do cinema igualmente pode ser visto por mais de um ângulo. E o ângulo mostrado por "Assim estava escrito" é sombrio, cínico e mordaz, com um desfecho brilhante. Sensacional!

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