CAFÉ SOCIETY (Café Society, 2016, Gravier Productions/Perdido Productions/FilmNation Entertainment, 96min) Direção e roteiro: Woody Allen. Fotografia: Vittorio Storaro. Montagem: Alisa Lepselter. Figurino: Suzy Benzinger. Direção de arte/cenários: Santo Loquasto/Regina Graves, Nancy Haigh. Produção executiva: Ronald L. Chez, Adam B. Stern, Marc I. Stern. Produção: Letty Aronson, Stephen Tenenbaum, Edward Walson. Elenco: Jesse Eisenberg, Kristen Stewart, Steve Carrell, Corey Stoll, Blake Lively, Parker Posey, Sheryl Lee, Jeannie Berlin, Ken Stott. Estreia: 11/5/16 (Festival de Cannes)
Em sua longa carreira como cineasta, Woody Allen pode ter seus filmes divididos em três grupos: as obras-primas (onde se inserem "Noivo neurótico, noiva nervosa", "Manhattan", "Crimes e pecados", "A rosa púrpura do Cairo", "Hannah e suas irmãs", "Match point" e "Meia-noite em Paris"), os pouco inspirados (onde cabem "O escorpião de jade", "Para Roma, com amor" e "Magia ao luar") e os simpáticos mas pouco memoráveis (caso de "Misterioso assassinato em Manhattan", "Igual a tudo na vida" e "Scoop: o grande furo"). "Café Society", que abriu o Festival de Cannes 2016 faz parte do último grupo: é uma comédia dramática sofisticada e inteligente como se poderia esperar do diretor, mas lhe falta aquele lance de genialidade que destaca suas melhores obras de tudo que é produzido em Hollywood. Filme mais caro de sua carreira (o orçamento inicial de 18 milhões de dólares inchou até inacreditáveis - para seus padrões - 30 milhões ao final da produção), ele também marca o primeiro trabalho de Allen depois da morte de seu coprodutor executivo Jack Rollins - seu parceiro artístico há 40 anos - e sua primeira colaboração com o festejado diretor de fotografia Vittorio Storaro. Além disso, retoma um dos temas mais caros ao veterano realizador (os bastidores da indústria cinematográfica, ainda que apenas como pano de fundo) e é um de seus filmes mas simples em termos de narrativa, além de ser um de seus raros filmes com protagonistas mais jovens.
Ao contrário da maioria de seus trabalhos anteriores, em que os personagens principais são normalmente intelectuais de meia-idade atravessando crises existenciais enquanto exorcizam seus dilemas nas melhores paisagens de Nova York (ou, no caso de seus filmes mais recentes, pelas cidades mais belas da Europa), em "Café Society" grande parte da trama se passa na Los Angeles dos anos 1930 e acompanha um jovem de vinte e poucos anos em sua tentativa de assumir uma vida adulta diante do glamour oferecido por seu tio milionário e do caminho da contravenção que vislumbra ao lado do irmão mais velho. Retornando o recurso da narração em off que tanto funcionou em "A era do rádio" (87), Allen apresenta o público ao desajeitado e ingênuo Bobby Dorfman (Jesse Eisenberg em seu segundo filme com o cineasta), que deixa o Brooklyn de seus pais e chega à capital do cinema para encontrar seu tio, Phil Stern (Steve Carell), um agente de astros de Hollywood a quem mal conhece. Stern lhe emprega como seu assistente e logo Bobby se vê frequentando festas à beira da piscina e coquetéis frequentados por grandes produtores. Deslocado, ele se apaixona pela secretária do tio, Vonnie (Kristen Stewart), que não esconde dele o fato de ter um relacionamento com um homem casado. Algum tempo depois, já de volta à sua cidade natal, ele se torna sócio do irmão mais velho, Ben (Corey Stoll) - que tem sérios problemas com os gângsters do submundo - em uma boate, e se casa com a bela Veronica (Blake Lively). Seu amor por Vonnie, porém, não o deixa ser completamente realizado e feliz.
O maior problema de "Café Society" nem é sua trama tênue - muitos grandes filmes de Allen se sustentam em enredos aparentemente banais -, mas sim a forma como o cineasta parece não saber exatamente como conectar os dois atos de seu roteiro. A impressão que se tem é de que são duas ideias distintas unidas por uma linha frágil demais para justificar um longa-metragem, especialmente quando personagens cruciais da primeira metade praticamente desaparecem de cena: é o caso de Steve Carell, cujo Phil Stern parece nunca atingir todo o seu potencial mesmo quando se revela muito mais importante do que parecia em um primeiro olhar. O mesmo pode ser dito do ótimo Corey Stoll, que brilhou como Hemingway em "Meia-noite em Paris" (2011) e aqui se vê tentando dar destaque a um personagem que é mais citado do que mostrado, apesar de ser uma das bússolas morais (ou amorais) do protagonista. Não bastasse isso, Jesse Eisenberg parece mais deslocado que seu Bobby Dorfman - como muitas vezes acontece na filmografia de Woody Allen, o ator transmite a sensação de estar tentanto emular o estilo do diretor, com seu gestual desajeitado e modo de falar titubeante. Para surpresa de todos, quem se sai melhor é Kristen Stewart, que consegue romper o estigma "Crepúsculo" e entrega uma atuação sensível e convincente.
Visualmente atraente, com a fotografia deslumbrante de Vittorio Storaro enchendo os olhos do espectador e uma direção de arte caprichadíssima, "Café Society" se ressente de um roteiro mais coeso e de personagens mais empáticos do que aqueles que apresenta. Bobby Dorfman, com sua falta de traquejo social e uma interpretação quase preguiçosa de Jesse Eisenberg (repetindo tiques de seu Mark Zuckerberg, de "A rede social", filme que lhe rendeu uma indicação ao Oscar), não cativa a plateia e acaba abrindo espaço para personagens coadjuvantes muito mais interessantes, como sua irmã - cuja rixa com um vizinho acelera o destino da família - e a socialite vivida por Parker Posey, que infelizmente é quase totalmente posta de lado em detrimento da história principal. São pequenos defeitos estruturais, mas que comprometem o resultado final e fazem do filme um produto apenas regular, muito longe do brilhantismo dos melhores momentos da carreira de Woody Allen - mas também acima de seus maiores tropeços. Um entretenimento de classe, mas apenas isso.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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