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SONATA DE OUTONO

SONATA DE OUTONO (Hostsonaten/Autumn Sonata, 1978, Personafilms, 89min) Direção e roteiro: Ingmar Bergman. Fotografia: Sven Nykvist. Montagem: Sylvia Ingmarsdotter. Figurino: Ingher Pehrsson. Direção de arte: Anna Asp. Elenco: Ingrid Bergman, Liv Ullman, Lena Nyman, Halvar Bjork. Estreia: 08/8/78

2 indicações ao Oscar: Atriz (Ingrid Bergman), Roteiro Original
Vencedor do Golden Globe de Melhor Filme Estrangeiro 

Apesar de dividirem o mesmo sobrenome e serem dois dos maiores ícones que o cinema sueco fabricou em sua história, o cineasta Ingmar Bergman e a atriz Ingrid Bergman se encontraram apenas uma única vez nos sets de filmagem. O destino quis, porém, que esse encontro fosse mais do que especial: não apenas marcou o último trabalho da estrela, que morreu de câncer em 1982, como também retratava, de forma incômoda, boa parte de seus sentimentos em relação à sua história pessoal. Assim como Ingrid abandonou sua família para viver seu romance com o cineasta italiano Roberto Rossellini, no final dos anos 1940, sua personagem em "Sonata de outono" é uma mãe cujo relacionamento com a filha é marcado por ressentimentos e rancores oriundos de sua opção pela carreira em detrimento da maternidade. Falando sueco nas telas pela primeira vez em onze anos e entregando uma atuação visceral, Bergman arrebatou uma indicação ao Oscar de melhor atriz por seu desempenho e conquistou os prêmios do National Board of Review, da National Society of Film Critics e dos críticos de Nova York. Tão generosa receptividade teve muito a ver com o prestígio do diretor e da atriz, mas o fato é que é impossível ficar incólume às devastadas emoções oferecidas pelo filme em pouco menos de noventa minutos.

Explorando ao máximo a estrutura teatral de seu roteiro, com marcações bem definidas e ênfase nos diálogos, fortes e emocionais, "Sonata de outono" se beneficia ao máximo com o talento de seu elenco - Bergman e Liv Ullman à frente - e a fotografia espetacular de Sven Nykvist, seu habitual colaborador. Nykvist registra com sensibilidade tanto os exteriores bonitos por natureza da Noruega - onde o cineasta se refugiou por um tempo devido a problemas com o fisco sueco - quanto as cores quentes que refletem o estado de espírito de suas protagonistas - em especial  o vermelho, que enfatiza a distância entre mãe cosmopolita e filha retraída. Embaladas por uma trilha sonora que inclui Chopin, Bach e Handel, as personagens centrais se enfrentam em embates dolorosos e cruéis, testemunhados apenas pela câmera discreta do diretor e pelo público, agoniado pelas palavras não ditas e pelas verdades dilacerantes que as atingem como chicotadas. Se em seus primeiros minutos o filme passa uma atmosfera de doce reencontro familiar, aos poucos vai deixando claro que, apesar das aparências, há muito a ser resolvido entre todos para que a paz enfim reine (ou não).


Com sua costumeira classe, Ingrid Bergman vive Charlotte Andergast, uma pianista clássica internacionalmente reconhecida que, depois de quase uma década, finalmente aceita ser recebida na casa de sua filha mais velha, Eva (Liv Ullman), que vive com o marido, Viktor (Halvar Bjork), em uma cidadezinha costeira, onde ele é pastor. Recuperando-se da morte do segundo marido, a quem acompanhou em seus últimos dias, Charlotte imagina um período de tranquilidade e descanso de suas excursões e compromissos, mas assim que chega é surpreendida com a presença de sua outra filha, Helena (Lena Nyman), que sofre de uma doença mental grave e que ela julgava estar internada. Seu reencontro com as duas faz com que a pianista seja obrigada a confrontar fantasmas do passado, principalmente quando Eva faz questão de aproveitar a visita da mãe para desabafar a respeito dos traumas originados pela ausência constante da figura materna na infância e adolescência.

O público acostumado à filmografia de Ingmar Bergman sabe de suas inclinações psicanalíticas, e "Sonata de outono" não foge à regra. Os longos e profundos diálogos transbordam sensibilidade e dor, mas a poesia das imagens criadas pelo cineasta transformam a experiência em uma sessão de análise das mais instigantes e incômodas. Eva, a personagem de Liv Ullman vai crescendo a cada cena, acumulando coragem para, no clímax, disparar as verdades que a vem destroçando desde criança - e Charlotte, sua mãe, transita entre sua zona de conforto (enterrar as mágoas e fingir uma felicidade que talvez não exista) e o medo de ver-se como um monstro, responsável pela infelicidade de quem deveria cuidar. Bergman filma o embate entre mãe e filha com delicadeza e plasticidade impecável, jamais apelando para o sentimentalismo mas enfatizando, sempre que possível, a distância (física e emocional) de suas protagonistas. O resultado é um drama psicológico e familiar dos mais impactantes - e um dos filmes mais importantes de um cineasta de valor inestimável à sétima arte.

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