BEM-VINDOS A MARWEN (Welcome to Marwen, 2018, Universal Pictures/DreamWorks, 116min) Direção: Robert Zemeckis. Roteiro: Robert Zemeckis, Caroline Thompson. Fotografia: C. Kim Miles. Montagem: Jeremiah O'Driscoll. Música: Alan Silvestri. Figurino: Joanna Johnston. Direção de arte/cenários: Stefan Dechant/Hamish Purdy. Produção executiva: Jacqueline Levine, Jeff Malmberg. Produção: Cherylanne Martin, Jack Rapke, Steve Starkey, Robert Zemeckis. Elenco: Steve Carell, Leslie Mann, Diane Kruger, Janelle Monáe. Estreia: 21/12/18
Em 2015, Robert Zemeckis transformou o documentário "O equilibrista" (2008) no drama "A travessia", estrelado por Joseph Gordon-Levitt e amargou um dos raros fracassos de bilheteria de uma carreira repleta de êxitos incontestáveis, como a trilogia "De volta para o futuro" e "Forrest Gump: o contador de histórias", que lhe deu o Oscar de melhor filme e direção em 1995. Depois de novamente decepcionar comercialmente com "Aliados" (2016), drama de guerra que, mesmo com a presença de Brad Pitt e Marion Cottilard não chamou a atenção do público, ele voltou a buscar na vida real a inspiração para seu trabalho. "Bem-vindos a Marwen", que estreou no final de 2018 nos cinemas americanos, é a dramatização do documentário "Marwencol", dirigido por Jeff Malmberg e vencedor de diversos prêmios da crítica desde seu lançamento. A fascinante história de um homem que tenta recobrar a sanidade mental através da criação de um mundo de fantasia protagonizado por bonecos encontrou, em Zemeckis, o diretor ideal - mas acabou se tornando o terceiro malogro consecutivo em sua trajetória. Completamente ignorado até pela Academia, que esnobou seus espetaculares efeitos visuais, o filme estrelado pelo cada vez melhor Steve Carell já pode ser considerado uma das mais injustiçadas produções de seu tempo - afinal, apesar de tudo, é um trabalho belo e sensível, que reitera o talento do cineasta em equilibrar com maestria técnica e emoção.
Os primeiros minutos de "Bem-vindos a Marwen" dão a impressão de que Zemeckis voltou a brincar com suas técnicas de captura de movimento, que marcou uma fase de sua carreira na primeira década dos anos 2000. Na sequência de abertura, um capitão norte-americano sofre um acidente com seu avião e se vê prestes a morrer nas mãos de nazistas quando é salvo por um grupo de mulheres armadas, lideradas pela corajosa Wendy. Toda a cena é apresentada em forma de animação, e logo se percebe que a situação narrada é fruto da imaginação de Mark Hogancamp (Steve Carell), um homem que tenta esquecer de um traumático incidente, quando foi violentamente espancado por um grupo de neonazistas na saída de um bar. Preso à sua nova realidade, ele mergulha sem medo na confecção de uma narrativa na qual ele mesmo é um corajoso capitão do exército que conta com a ajuda de um time de mulheres - todas inspiradas em pessoas reais - e que luta contra os alemães durante a II Guerra, em uma cidadezinha belga chamada Marwen. Enquanto espera o julgamento de seus agressores, Mark se encanta com a nova vizinha, Nicol (Leslie Mann), que passa a fazer parte de sua imaginação fértil, assim como a hostil Deja Thoris (Diane Kruger), uma bruxa que serve como uma espécie de conselheira e terapeuta.
O roteiro de "Bem-vindos a Marwen" é um achado: ao mesmo tempo em que sensibiliza o espectador com o drama de Mark (interpretado com sutilezas por Carell, em uma atuação inspiradíssima), aproveita para demonstrar o domínio que tem das técnicas de animação, oferecendo à plateia momentos divertidos e violentos com os bonecos manipulados pelo protagonista. Os efeitos visuais são perfeitos - e criados a partir da ação dos próprios atores, em um processo fascinante que impede a sensação de frieza que muitas vezes acompanha as produções mais ambiciosas. O grande achado do diretor, porém, é a forma encontrada de transmitir, através dos bonecos, a angústia e a personalidade complexa do personagem central: aos poucos o público vai compreendendo a extensão de seu problema e de como seu hobby é, mais do que uma diversão, uma terapia que pode lhe salvar da depressão mais absoluta. Sem estender-se desnecessariamente em sua trama, Zemeckis encontra o contraponto ideal entre a realidade e a ilusão, convidando a audiência a uma viagem inusitada e emocionante, que foge dos clichês graças ao talento de todos os envolvidos - com especial destaque à trilha sonora de Alan Silvestri, que evoca docemente todas as fases mentais de Mark.
Talvez o motivo do fracasso de "Bem-vindos a Marwen" seja justamente sua delicadeza. Acostumados ao excesso de informações dos blockbusters e à total falta de sutileza das produções dos grandes estúdios, é bem possível que os espectadores não tenham se interessado por um filme que fala de pequenas emoções, de pessoas feridas em seu mais íntimo e do poder da imaginação como parte da cura de um trauma inimaginável. Azar de quem perdeu a oportunidade de ter contato com uma pequena pérola do cinema hollywoodiano - que, vez ou outra, ainda consegue acertar no alvo quando se trata contar boas histórias de forma criativa. Que o tempo lhe faça justiça e que o filme se transforme, com o passar do anos, no cult movie que merece ser.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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